Uma visita e um destino. Visita que marcou um reencontro de muitos anos.
A caminho do bairro mais distante da zona sul de São Paulo, aquele e-mail indicava que os cinquenta quilômetros que separavam os dois extremos poderia ser feito utilizando apenas o metrô. Uma beleza para quem não mora na Capital e ainda está desatualizado quanto às novas linhas operadas pelo metropolitano.
Olhando os detalhes daquela rota recebida pelo e-mail, tracei num pequeno pedaço de papel o endereço, bem como as quatro linhas coloridas do metrô que deveriam ser utilizadas em sequência para o itinerário.
Tranquila, tomei o rumo. Apenas uma leve sensação de que aquela cor de esmeralda eu nunca havia reparado. A lilás, então, completamente desconhecida...
Linha azul e adentrei no vagão. O primeiro ato foi verificar no painel o roteiro de cores e seus destinos, mas sem muitos detalhes. Fiz a primeira transferência em busca da linha amarela. Entretida e caminhando pela estação, ao aproximar da cancela livre, eis que uma mulher jovem, com feições de menina ainda, se coloca na minha frente com seu carrinho de carga, puxando um volumoso fardo de fraldas descartáveis que alcançavam a altura da sua cintura. Queria saber se aquele seria o caminho para Pinheiros e para a linha Esmeralda.
Pinheiros é um bairro que conheço de cor, doces e boas recordações da infância. Mas nunca utilizei aquele caminho, nem saberia. Olhei então para o pequeno pedaço de papel e vi que constava ali. Disse então à mulher-menina que estava na meta. E seguimos.
Com uma inflamação e ainda sendo tratados, meus pés começaram a doer. Busquei um assento na composição. Minha companheira preferiu ficar perto da porta, tamanho era o volume de fraldas que transportava e ela fazia verdadeiros malabarismos de modo que sua carga não atravancasse o caminho entre o fluxo de pessoas que naquela manhã seguiam para o trabalho. Esperta e arisca.
Preparamo-nos para embarcar para a próxima transferência, a esmeralda, caminhando por várias fileiras de corredores e mais três lances de escadas rolantes acima, entre um trem e outro. Mas uma sensação estranha soava num sinal de alerta interno, e que dissipei logo ao perceber que já estava mancando com um dos pés.
Alguns metros próximos do embarque, para me certificar de que estava seguindo conforme a rota indicada, olhei detalhadamente para o painel e vi algo que não batia com a intuição: aqueles sinais, a simbologia não se reportavam ao metrô propriamente dito. Parei imediatamente. A menina se assustou.
- Um trem? Perguntei.
- Sim, agora é o trem!
- Mas não me disseram nada sobre trem...
Tive que explicar então a ela o meu real destino, que inicialmente fui informada a seguir sempre sobre o metrô até o fim. E que ali uma dúvida se abatera e eu não estava preparada para pegar um trem, além da sensação de estar perdida querendo se apoderar.
- Mas aqui não tem mais metrô! Agora é só o trem mesmo. Ela respondeu com simplicidade, tentando me tranquilizar e sugerindo que fossemos atrás de informação com os seguranças.
- Então você pode ir, senão vai se atrasar e perder seu bonde! Disse-lhe, agradecendo sua companhia até ali.
Mas aquela mulher-menina teimou em ficar junto. Fomos então ao posto de informação, afastado mais alguns metros, eu mancando e ela carregando...
O segurança, muito gentil, confirmou a exatidão da rota. Mas que só haveria mais uma linha de metrô, a lilás, assim que percorresse o caminho “das esmeraldas”.
Corei de vergonha por haver duvidado da menina sobre o trem. Pedi-lhe desculpas, mas aquela linda nem ligou... Onze horas e ela estava ansiosa por chegar em casa. Deixara os três filhos pequenos com a vizinha e viera cedinho atrás da promoção de fraldas para os dois mais novos, de oito meses e dois anos. Iria até a última estação e ainda seguiria por outra linha de coletivo.
Saímos em disparada para não perder o trem que já se aproximava na estação, no piso inferior. No meio do caminho, o elevador. Puxei-a no sentido de desistir das escadas e como forma de chegar mais rápido.
- Esse não pode usar, ela disse. É dos deficientes e a gente pode levar bronca!
- Puxei-a para dentro do elevador.
Mancando de dor e ela com sua carga... Ah, se ela soubesse da militância em que estive envolvida por anos, das reuniões, das pautas e reivindicações junto ao governo e sociedade, que fazíamos pela acessibilidade no metrô, nos trens e nos coletivos, das conquistas com suor...
Próxima estação seria minha última transferência. Finalmente ela sentou-se perto da porta, cansada, mas ainda interessada em fazer-me algumas perguntas, aquelas que muitos fazem e já sei de cor: como falar sem ouvir? Como escutar música sem ouvir? Como...
Contemplei-a melhor: tinha um grande coração. Trocamos um generoso abraço e nos despedimos.
Só então meus olhos "se abriram"...
Alice, você foi o anjo que Deus me enviou por cinquenta minutos. Fui procurada... Te encontrei!
Que Ele te abençoe muito e a teus filhinhos!
(Este texto extraí do antigo blog. Está sendo repostado hoje, dia dos Anjos da Guarda. Anjos que nos acompanham e protegem lá do céu, como cá nesta terra também: Anjos divinos e humanos).
Pela Inclusão e pela Vida.
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