PRETENSÃO

Ampliar os horizontes da inclusão é a pretensão deste blog. E inclusão não apenas entendida como movimento de pessoas com deficiência, senão também abordar a ecologia, os movimentos de luta por direitos e cidadania, etc. Falar de inclusão, portanto, significa acolher o meio e todas as pessoas. Significa também respeitar e tolerar a singularidade, fazendo da compreensão uma forma de convivência pacífica e plural. Na inclusão ninguém pode ficar de fora!

quinta-feira, 23 de março de 2017

COLHER O DIA



"Quarta-feira, 22-03-2017. Querido diário... Hoje me lembrei do poeta Rubem Alves, de cujas leituras aprendi a utilizar o termo “Carpe Diem”, ou seja, colha o dia. Sinceramente, não sabia como colher o dia hoje diante de situações que presenciei na escala lá nas Casas. A manhã foi muito produtiva enquanto estava com a turma dos cupons. Já à tarde, quando me desloquei até a  fisio-cardio com a finalidade de montar os curativos utilizados pelos traqueostomizados, soube pela Emília que ontem, dois pacientes vizinhos de quarto e de camas da unidade 3, tiveram uma parada cardiorrespiratória, um após o outro, deixando funcionários, enfermeiros e médicos em estado muito tenso. Ambos foram levados às pressas para a UTI local. A boa notícia é que estão fora de perigo e um deles já deixou a referida unidade. Você nem imagina como me assustei com tudo que ouvi, opa, com o que entendi, ademais, com toda dificuldade enfrentada atualmente, aqueles pacientes todos são tratados com muito amor e carinho... Então a nossa conversa se desenrolou em torno do mistério que envolve a vida de pessoas com deficiência intelectual com ou sem comprometimento de paralisia cerebral ou vice-versa. Aquelas cujo raciocínio não exato e onde a comunicação é feita não pela fala, mas pela audição, visão, percepções, os sentimentos e a empatia. Quem sabe não foi o agrupamento desse conjunto, mais os anos de convívio, a irmandade que os une, que tenha desencadeado aquela reação concomitante? Acredito que teve tudo a ver em terreno de sensibilidades. Sobre isso até me lembrei de uma máxima do Apóstolo São Paulo  na primeira carta aos Coríntios (1Cor 12,26), que diz: “se uma parte de nosso corpo está doente, todo o corpo sofre junto com aquela parte”, o que não deixa de ser real. E aquela prosa estava tão boa, mas que tive que dar uma pausa, com a licença das meninas, porque você sabe né, - ou eu trabalho ou eu converso – surdos não dão conta de fazer  duas coisas ao mesmo tempo com apenas dois olhos... E ocorreu que chegou a Ana Clara para dar uma forcinha nas tarefas e o assunto mudou de rumo. Desta vez ela nos contou como aconteceu a ação social no final de semana passado, para arrecadação de leite para as Casas, num famoso supermercado da cidade.  Conseguiram levantar mais de três mil litros de leite em dois dias, no corpo a corpo com os clientes. De assustar né? Mas é pouco se formos analisar o consumo da Casa que é duzentos litros por dia... Ela falou de  pessoas solidárias, cada qual com gestos diferentes na doação, outros nem tanto, indiferentes até. E me entristeci por ver que as pessoas não conhecem as dificuldades pelas quais muitas instituições filantrópicas enfrentam com essa crise toda no país. E de repente, bem no meio da conversa, chega a Tina para a sessão de fisio respiratória. Ela é tão bonita e sorridente, vaidosa então: sempre de sombra e batom. Soube que foi entrevistada e fotografada para publicação no boletim das Casas, por ocasião do dia da Mulher. Estava linda. O que se lia no artigo revelava um pouco de sua biografia: 40 anos, tem PC (que é o termo que se refere à Paralisia Cerebral, onde a pessoa tem as funções cerebrais preservadas, que muitas vezes tem a fala comprometida parcial ou totalmente, assim como o corpo também). A Tina tem um comprometimento físico severo, ela é dependente para todas as atividades da vida diária, se locomovendo em cadeira de rodas e a alimentação é feita por meio de sonda, isto porque não possui habilidade de deglutição para alimentos sólidos. E você acha querido diário, que ela é uma pessoa triste? Mas nem pensar! Desde que a conheço, nunca a vi sem um sorriso aberto, generoso. Falou inclusive ao entrevistador que sonha ser professora e também se casar! Pena que ainda não conheço o tal pretendente. A danadinha nem me conta...

Como pode ver, meu diário, a vida daquelas mocinhas e mocinhos, como diz o Antônio Fagundes na TV, faz a gente pensar, sentir tão diferente desse mundo aqui fora, do quanto a gente pode colher o dia ali, analisando um mundo à parte e cercado de todas as problemáticas mais complexas de deficiências que se possa imaginar, um por um, pessoa por pessoa em todas as necessidades e carências, mas com todas as aptidões e habilidades de deixar de queixo caído, pois ali, cada ser, cada anjo tem um propósito nesta terra, incutido em suas vidas pelo Soberano Criador com amor, ternura e afeição eternos! Mas que CARPE DIEM!"



Pela Inclusão e pela Vida!   




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