"Quarta-feira,
22-03-2017. Querido diário... Hoje me lembrei do poeta Rubem Alves, de cujas
leituras aprendi a utilizar o termo “Carpe Diem”, ou seja, colha o dia.
Sinceramente, não sabia como colher o dia hoje diante de situações que
presenciei na escala lá nas Casas. A manhã foi muito produtiva enquanto estava
com a turma dos cupons. Já à tarde, quando me desloquei até a fisio-cardio com a finalidade de montar os
curativos utilizados pelos traqueostomizados, soube pela Emília que ontem, dois
pacientes vizinhos de quarto e de camas da unidade 3, tiveram uma parada cardiorrespiratória,
um após o outro, deixando funcionários, enfermeiros e médicos em estado muito
tenso. Ambos foram levados às pressas para a UTI local. A boa notícia é que
estão fora de perigo e um deles já deixou a referida unidade. Você nem imagina
como me assustei com tudo que ouvi, opa, com o que entendi, ademais, com toda
dificuldade enfrentada atualmente, aqueles pacientes todos são tratados com muito
amor e carinho... Então a nossa conversa se desenrolou em torno do mistério que
envolve a vida de pessoas com deficiência intelectual com ou sem
comprometimento de paralisia cerebral ou vice-versa. Aquelas cujo raciocínio
não exato e onde a comunicação é feita não pela fala, mas pela audição, visão,
percepções, os sentimentos e a empatia. Quem sabe não foi o agrupamento desse
conjunto, mais os anos de convívio, a irmandade que os une, que tenha
desencadeado aquela reação concomitante? Acredito que teve tudo a ver em
terreno de sensibilidades. Sobre isso até me lembrei de uma máxima do Apóstolo São
Paulo na primeira carta aos Coríntios
(1Cor 12,26), que diz: “se uma parte de nosso corpo está doente, todo o corpo
sofre junto com aquela parte”, o que não deixa de ser real. E aquela prosa
estava tão boa, mas que tive que dar uma pausa, com a licença das meninas,
porque você sabe né, - ou eu trabalho ou eu converso – surdos não dão conta de
fazer duas coisas ao mesmo tempo com
apenas dois olhos... E ocorreu que chegou a Ana Clara para dar uma forcinha nas
tarefas e o assunto mudou de rumo. Desta vez ela nos contou como aconteceu a
ação social no final de semana passado, para arrecadação de leite para as
Casas, num famoso supermercado da cidade. Conseguiram levantar mais de três mil litros
de leite em dois dias, no corpo a corpo com os clientes. De assustar né? Mas é
pouco se formos analisar o consumo da Casa que é duzentos litros por dia... Ela
falou de pessoas solidárias, cada qual
com gestos diferentes na doação, outros nem tanto, indiferentes até. E me
entristeci por ver que as pessoas não conhecem as dificuldades pelas quais
muitas instituições filantrópicas enfrentam com essa crise toda no país. E de
repente, bem no meio da conversa, chega a Tina para a sessão de fisio
respiratória. Ela é tão bonita e sorridente, vaidosa então: sempre de sombra e
batom. Soube que foi entrevistada e fotografada para publicação no boletim das
Casas, por ocasião do dia da Mulher. Estava linda. O que se lia no artigo
revelava um pouco de sua biografia: 40 anos, tem PC (que é o termo que se
refere à Paralisia Cerebral, onde a pessoa tem as funções cerebrais
preservadas, que muitas vezes tem a fala comprometida parcial ou totalmente,
assim como o corpo também). A Tina tem um comprometimento físico severo, ela é
dependente para todas as atividades da vida diária, se locomovendo em cadeira
de rodas e a alimentação é feita por meio de sonda, isto porque não possui
habilidade de deglutição para alimentos sólidos. E você acha querido diário, que
ela é uma pessoa triste? Mas nem pensar! Desde que a conheço, nunca a vi sem um
sorriso aberto, generoso. Falou inclusive ao entrevistador que sonha ser
professora e também se casar! Pena que ainda não conheço o tal pretendente. A
danadinha nem me conta...
Como
pode ver, meu diário, a vida daquelas mocinhas e mocinhos, como diz o Antônio
Fagundes na TV, faz a gente pensar, sentir tão diferente desse mundo aqui fora,
do quanto a gente pode colher o dia ali, analisando um mundo à parte e cercado
de todas as problemáticas mais complexas de deficiências que se possa imaginar,
um por um, pessoa por pessoa em todas as necessidades e carências, mas com
todas as aptidões e habilidades de deixar de queixo caído, pois ali, cada ser,
cada anjo tem um propósito nesta terra, incutido em suas vidas pelo Soberano Criador
com amor, ternura e afeição eternos! Mas que CARPE DIEM!"
Pela Inclusão e pela Vida!
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