Faz pouco tempo que a Nice
voltou às suas atividades voluntárias. Depois de um AVC que a deixou com parte
do corpo paralisado, ela já retomou o movimento da fala, do andar e atividades
com o braço direito graças à sua ousadia e amor que nutre pela vida. E tão logo
retornou para as atividades das Casas, considero não apenas que ela é – como sempre
foi - a voluntária mais alegre, extrovertida e falante do pedaço. Esbanja uma simpatia
e energia que aproxima até estranhos.
Neste seu retorno, observei que
pequenas limitações passaram a fazer parte de seu cotidiano, que ela trabalha
muito bem a seu modo e sabe aceitar com alegria como um aprendizado. A
substituição da dupla garfo & faca pela colher é uma delas. Inclusive no
almoço que fazemos juntas semanalmente.
Como uma força gravitacional
que faz pessoas queridas estar sempre ao redor da Nice, tem quem se ofereça
para ajudá-la a se servir no bandejão ali, em cujo refeitório se reúne os
diversos funcionários de uma instituição totalmente voltada à causa das
deficiências, não há como ignorar mais uma integrante. Engana-se quem pense que
ali ela seja tratada como se fosse um bebê, inclusive com comidinha na boca.
Nada disso. Seiscentos internos e a Casa trata cada um com sua particularidade
específica.
Embora a Nice seja uma
voluntária, ali se sente em casa e, ao adotar a colher na refeição, tem
necessidade como qualquer outro que alguém auxilie a picar a carne ou outro
alimento mais sólido.
Hoje, excepcionalmente, veio um
bife enorme na mistura e, antes que eu oferecesse ajuda, ela já foi colocando o
seu no prato da vizinha ao lado para que a mesma lhe devolvesse já fatiado.
Yes! Assim que tem de ser:
pedir. E não apenas esperar a ajuda! Ela poderia também comer com as mãos se o
quisesse, dispensando garfo, faca e colher. Afinal, o que importa nesta situação
é encontrar a forma melhor de alimentar-se e não a etiqueta.
A conversa que rolou a seguir foi
batendo na tecla: autonomia x respeito x necessidade.
E a Nice desabafou das vezes em
que se sente sufocada com todo mundo querendo ajudar, sem antes perguntar se
ela quer, se ela prefere, se necessita... Como se fosse uma incapaz e coitada. E
emendou: ninguém sabe mais sobre nós do que nós mesmos! Todo esforço que
empreendemos no dia a dia para superar os pequenos obstáculos que se nos
apresentam, somos nós que o fazemos.
Sim, isto é uma realidade. Não
que a pessoa não queira ajuda, isso é fundamental, mas que respeitem nossos
passos, nosso tempo, nosso humor. É tudo devagar e mesmo que nos digam que vai
passar, sim, sabemos que vai passar, mas somos nós que estamos passando e
assimilando do nosso jeito.
Então a dica de hoje é:
Respeitar o espaço do outro! Se quiser ajudar, então é melhor perguntar e assim
fará bem para ambas as partes!
...
Relembrando,
Certa vez a família se
reuniu num restaurante. Hora do almoço e estávamos brindando uma data
comemorativa. Salão lotado e quase todas as mesas ocupadas, com exceção de duas
às nossas costas. Mas que logo foram ocupadas por outra família que atraiu
todos os olhares: Um dos membros era cadeirante e não possuía braços nenhum! Oh!!!
Suspense geral quando o rapaz transferiu-se da sua cadeira para a outra, da
própria mesa. E ainda ao dar-se conta de que ele comia com o auxílio dos pés,
que seguravam o garfo e levava o alimento à boca. Na maior tranquilidade, sem
constrangimento algum!
Comer com os próprios pés,
com autonomia enquanto se é capaz, sem coitadismo, pieguismo. Aquilo era um
exemplo de superação e tanto.
De garfo, faca e colher. Com as
mãos e os pés!
Pela Inclusão e pela Vida!
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