PRETENSÃO

Ampliar os horizontes da inclusão é a pretensão deste blog. E inclusão não apenas entendida como movimento de pessoas com deficiência, senão também abordar a ecologia, os movimentos de luta por direitos e cidadania, etc. Falar de inclusão, portanto, significa acolher o meio e todas as pessoas. Significa também respeitar e tolerar a singularidade, fazendo da compreensão uma forma de convivência pacífica e plural. Na inclusão ninguém pode ficar de fora!

quarta-feira, 24 de maio de 2017

GARFO OU COLHER?





Faz pouco tempo que a Nice voltou às suas atividades voluntárias. Depois de um AVC que a deixou com parte do corpo paralisado, ela já retomou o movimento da fala, do andar e atividades com o braço direito graças à sua ousadia e amor que nutre pela vida. E tão logo retornou para as atividades das Casas, considero não apenas que ela é – como sempre foi - a voluntária mais alegre, extrovertida e falante do pedaço. Esbanja uma simpatia e energia que aproxima até estranhos.

Neste seu retorno, observei que pequenas limitações passaram a fazer parte de seu cotidiano, que ela trabalha muito bem a seu modo e sabe aceitar com alegria como um aprendizado. A substituição da dupla garfo & faca pela colher é uma delas. Inclusive no almoço que fazemos juntas semanalmente.

Como uma força gravitacional que faz pessoas queridas estar sempre ao redor da Nice, tem quem se ofereça para ajudá-la a se servir no bandejão ali, em cujo refeitório se reúne os diversos funcionários de uma instituição totalmente voltada à causa das deficiências, não há como ignorar mais uma integrante. Engana-se quem pense que ali ela seja tratada como se fosse um bebê, inclusive com comidinha na boca. Nada disso. Seiscentos internos e a Casa trata cada um com sua particularidade específica.

Embora a Nice seja uma voluntária, ali se sente em casa e, ao adotar a colher na refeição, tem necessidade como qualquer outro que alguém auxilie a picar a carne ou outro alimento mais sólido.

Hoje, excepcionalmente, veio um bife enorme na mistura e, antes que eu oferecesse ajuda, ela já foi colocando o seu no prato da vizinha ao lado para que a mesma lhe devolvesse já fatiado.

Yes! Assim que tem de ser: pedir. E não apenas esperar a ajuda! Ela poderia também comer com as mãos se o quisesse, dispensando garfo, faca e colher. Afinal, o que importa nesta situação é encontrar a forma melhor de alimentar-se e não a etiqueta.

A conversa que rolou a seguir foi batendo na tecla: autonomia x respeito x necessidade.

E a Nice desabafou das vezes em que se sente sufocada com todo mundo querendo ajudar, sem antes perguntar se ela quer, se ela prefere, se necessita... Como se fosse uma incapaz e coitada. E emendou: ninguém sabe mais sobre nós do que nós mesmos! Todo esforço que empreendemos no dia a dia para superar os pequenos obstáculos que se nos apresentam, somos nós que o fazemos.

Sim, isto é uma realidade. Não que a pessoa não queira ajuda, isso é fundamental, mas que respeitem nossos passos, nosso tempo, nosso humor. É tudo devagar e mesmo que nos digam que vai passar, sim, sabemos que vai passar, mas somos nós que estamos passando e assimilando do nosso jeito.

Então a dica de hoje é: Respeitar o espaço do outro! Se quiser ajudar, então é melhor perguntar e assim fará bem para ambas as partes!

...

Relembrando,

Certa vez a família se reuniu num restaurante. Hora do almoço e estávamos brindando uma data comemorativa. Salão lotado e quase todas as mesas ocupadas, com exceção de duas às nossas costas. Mas que logo foram ocupadas por outra família que atraiu todos os olhares: Um dos membros era cadeirante e não possuía braços nenhum! Oh!!! Suspense geral quando o rapaz transferiu-se da sua cadeira para a outra, da própria mesa. E ainda ao dar-se conta de que ele comia com o auxílio dos pés, que seguravam o garfo e levava o alimento à boca. Na maior tranquilidade, sem constrangimento algum!

Comer com os próprios pés, com autonomia enquanto se é capaz, sem coitadismo, pieguismo. Aquilo era um exemplo de superação e tanto.

De garfo, faca e colher. Com as mãos e os pés!



Pela Inclusão e pela Vida!



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