“Quem não receber como
criança o Reino de Deus, nunca entrará nele” Mc 10, 15
Foi
pensando nestas palavras ditas por Jesus, que peguei a estrada de volta para
casa, após uns dias fora, colaborando com um parente na agitada tarefa de
adiantar as encomendas da pequena firma, que aumentam no final do ano. Entre
tantos afazeres, um tempinho dedicado na atenção, cuidados e brincadeiras ao
pequeno garoto da casa.
Precisando
de uma pausa para retomar a rotina, na hora da despedida, num abraço gostoso,
eis que o menino grudou-me ao pescoço e pediu com insistência que não fosse
embora. Devolvendo aquele abraço com ternura, expliquei-lhe a necessidade e
reafirmei que voltaria na semana seguinte, dada a urgência das tarefas. Mas não
consegui convencê-lo. Aliás, criança pequena não conhece o tempo, o amanhã...
Ela vive apenas o hoje!
Quando
viu que não tinha jeito, desatou então a chorar. Próprio de quem vê que os
argumentos não convenceram, ficando sem munição. Aquilo foi de cortar o
coração!
Sugeri
então que viesse comigo, que fizéssemos sua malinha para que dormisse em casa,
e depois voltaríamos juntos. Ele olhou então para a mãe e mais lágrimas
rolaram, por ser tão pequeno e não conseguir ficar longe dela.
O
choro, esta sensação tão misteriosa que, enquanto extravasa a tristeza e a dor,
alivia e nutre o amor...
Aquela
cena tão comovente, tão simples e pura obrigou-me a segurar o choro. Não porque
ele estava chorando, mas porque a dor do conflito machucava-o a ponto de ter
que decidir entre o querer e o não poder. Quão difícil para uma criança
aprender ainda pequena os caminhos do amor em paralelo com a dor!
Amor e
dor caminham de mãos dadas! Como explicar isso aos pequenos? Eles que tem a
consciência da carência, de necessidade do outro, a sensação de que a solidão não
é coisa boa. Então, num momento de abandono sua única alternativa é o choro,
como forma de desafogar o medo de ficar só, pois ninguém nasceu para ficar
sozinho...
Quando fez a Criação, Deus disse:
“Não é bom que o homem fique só!” Gn 2,18
E me
perguntei aquele dia inteiro... O amor dói, por quê?
Criança
gosta de gente, de contato, de brincar, de natureza, de bichos e de tudo que é
novidade. Criança vê com pureza tudo que se apresenta à sua frente.
Deslumbra-se com a criação e seu mundinho é constantemente povoado de
fantasias. Criança amada aprende a amar; acolhida, aprende a respeitar. Vive
perguntando “por que” porque sabe que não sabe. E não tem vergonha de
perguntar... Sua bagagem cresce e se transforma com o aprendizado colhido
através das perguntas que faz.
Nós
adultos é que desaprendemos a ser criança. Não no sentido infantil, mas na
candura, na simplicidade, na falta de ambição.
E,
voltando àquela cena, na tentativa de consolar o garoto e fazê-lo entender que
a minha volta não demoraria tanto, tive a ideia de deixar com ele meu relógio
de pulso, numa forma palpável dele perceber a necessidade do objeto, o qual eu
voltaria a buscá-lo. E o choro estancou.
Saber
que é preciso ser criança mesmo sendo um adulto, ajuda-nos a ser mais humanos e
humildes, recarrega a esperança na humanidade e ativa o ânimo em investir mais
nas crianças hoje como as sementes do amanhã, de um futuro melhor, um mundo
mais fraterno.
Utopia?
Não creio.
E fico
pensando também na brilhante “ideia” que Cristo teve de, para que não
ficássemos sozinhos, Ele transformou-se em comida e deixou-nos a Eucaristia
como forma de percebermos e sentirmos sua presença sempre conosco, aqui e
agora! Sinal que Ele também viveu o amor e a dor...
“É
preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir”
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir”
(Almir
Sater)
(Texto editado em 2012. Hoje repostado cinco anos depois, com a mudança do menino para outro estado, deixando autora de coração partido e invertendo assim o texto, teimando desgrudar do pescoço dele).
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