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A HISTÓRIA QUE MUITOS DESCONHECEM
"Muito
já foi falado e muito ainda se falará a respeito da segregação de que foram
vítimas, a partir das décadas de 30 e 40, milhares de pessoas atingidas pela
hanseníase, doença conhecida há quatro mil anos, que lotaram os cinco
sanatórios, então denominados "leprosários" de São Paulo, bem como os
demais do Brasil.
A
medicina na época trabalhava com um único cenário a respeito de uma enfermidade
infecto contagiosa, com alta carga de preconceito e incurável, por isso o viés
profilático.
Tudo era
feito em função do doente, para o bem e para o mal, eis que a enfermidade era
um fator indefinido, neutro, por inexistir cura, daí a política do Departamento
de Profilaxia da Lepra de se concentrar apenas na pessoa do portador. O plano
de captura, uma espécie de arrastão, rapidamente encheu os asilos-colônias,
sendo que o Sanatório Padre Bento, fundado em 05.06.1931, tinha sido o único a
se destacar dos demais, a começar pela não denominação de asilo e por estar
próximo à Capital, em Guarulhos. Havia sido escolhido como cartão postal aos
olhos das autoridades sanitárias, como também para satisfação da elite
paulistana, que foi quem pressionou o governo para a rápida construção de
"leprosários". As edificações eram feitas para durar anos, os
carvilles (pavilhões coletivos), as moradias para os casais, o Teatro Padre
Bento, inaugurado em 05 de junho de 1935, obra consistente de arquitetura
magnífica chamava a atenção pelo fato de que eram raras as cidades interioranas
que possuíam algo parecido. Reinaugurado em 08 de dezembro de 2007, depois de
passar por uma reforma e restauro por conta do poder municipal.É reconhecida como símbolo da cidade, por
ter sido o primeiro teatro construído em Guarulhos.
Retomando,
a ação de busca, então empreendida pelo departamento de profilaxia da lepra ao
doente e ao suspeito da doença, prosseguia de forma ininterrupta, e a família
que tinha o seu membro levado para o sanatório ficava marcada; a vizinhança se
retraía por força do preconceito e, das duas uma: ou a família se mudava do
local ou, permanecendo, teria de reunir forças o bastante para se manter
articulada. A família e o autor deste texto (Wilson, nome fictício), então com
13 anos de idade, quando aumentaram os comentários bem como a pressão dos seus
parentes, se mudaram do interior de São Paulo para a cidade de Uberaba, Minas
Gerais; tendo o seu pai em seguida o levado para ser internado no Asilo-colônia
Cocais, no município de Casa Branca, São Paulo, em 1941. Lá permaneceu por oito
anos.
Não há
dados de quantas famílias foram desestruturadas, sabe-se apenas que a pessoa
deixava a esposa ou esposo e filhos por tempo indeterminado por ser a cura uma
utopia, por isso ela se juntava a alguém, vivendo em concubinato. Jovens
noivavam e se casavam e os filhos que nasciam não podiam ficar com os pais, ou
era enviado para os parentes, caso contrário, o departamento de profilaxia da
lepra os encaminhava para o Preventório em Jacareí, São Paulo, uma instituição
governamental criada no Vale do Paraíba, especialmente para tal finalidade.
Com a
chegada da sulfa ao Brasil, trazida dos EUA, em 1945, pelo médico e primeiro
diretor do Sanatório Padre Bento, Lauro Souza Lima, o tratamento levou à tão
sonhada cura, ao mesmo tempo em que se repetia, mas de maneira inversa, o
episódio da desinternação. Para um contingente que permaneceu segregado por
tanto tempo, cujos laços familiares se desfizeram, ou foram abalados, não se
sabia como seria o retorno com as condições psicológicas fragilizadas. O
governo em nenhum momento, nem quando da internação, se voltou para um trabalho
de fortalecimento da sua autoestima, mesmo ciente de que seria difícil a
reintegração na comunidade.
Wilson obteve alta ao final de 1949, indo morar com
a mãe e a irmã em São Paulo, onde, dois anos atrás, haviam deixado Uberaba, mas
desta vez sem o seu pai, que havia se desligado da família. Sua readaptação ao
meio não foi fácil, diversas vezes pensou em retornar, mas como, se estava de
alta? Com o incentivo constante de sua mãe começou a sair de casa a procura de
serviço quando, depois de um ano, começou a trabalhar numa marcenaria,
profissão que havia aprendido quando interno em Cocais. À medida que o tempo
passava, mais confiança adquiria e mais sólida era sua reintegração na
sociedade quando, passados sete anos, foi acometido de uma recidiva (reativação
da doença) e, reinternado em 1957, mas no Sanatório Padre Bento e obtendo alta
em 1962, período em que se casou, indo morar próximo ao sanatório.
No início
dos anos 50, muitos que estavam saindo de alta do "Padre Bento" foram
comprando terrenos na Vila Tranquilidade e construindo suas casas, então um
bairro que relutava em se desenvolver devido ao estigma que ganhou corpo. Tal
quais pioneiros enfrentando adversidades, parece que tinham consciência que a
Vila Tranquilidade seria uma espécie de santuário de um conglomerado de
egressos, inclusive de outros "leprosários" do Estado, uma realidade
que pouco a pouco foi aplainando o caminho para a tão desejada reintegração. A
Vila Tranquilidade em 20 anos se transformou; também nos bairros próximos ao
Padre Bento eram muitos os moradores egressos que tinha ele como referência,
mas a atendimentos e internações intercorrentes de portadores de sequelas que,
mesmo curados da doença, precisavam de cuidados.
Este
texto retrata um pouco a história surrealista perversa, vivida por personagens
oriundos da classe pobre, por ser esta doença uma característica da pobreza,
uma política sanitária sem precedentes cuja aplicação somente foi possível
graças ao período discricionário imposto ao Brasil pela ditadura Vargas".
(O autor do relato acima prefere manter o anonimato. Homem destemido, está vivo e atuante, mesmo com idade avançada. E sempre disposto a recontar sua história como forma de combater a doença tão presente no País, como também o preconceito.)
PELA INCLUSÃO E PELA VIDA!
(O autor do relato acima prefere manter o anonimato. Homem destemido, está vivo e atuante, mesmo com idade avançada. E sempre disposto a recontar sua história como forma de combater a doença tão presente no País, como também o preconceito.)
PELA INCLUSÃO E PELA VIDA!
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