PRETENSÃO

Ampliar os horizontes da inclusão é a pretensão deste blog. E inclusão não apenas entendida como movimento de pessoas com deficiência, senão também abordar a ecologia, os movimentos de luta por direitos e cidadania, etc. Falar de inclusão, portanto, significa acolher o meio e todas as pessoas. Significa também respeitar e tolerar a singularidade, fazendo da compreensão uma forma de convivência pacífica e plural. Na inclusão ninguém pode ficar de fora!

domingo, 25 de janeiro de 2015

UM AMIGO SOBREVIVENTE E LUTADOR





"Um dia alguém passa, convive com você, deixa em você a marca do seu ser, imprime na memória um certo tom de voz, uma cor de olhos, uma frase dita ao acaso, uma lembrança de um dia... e vai embora. Às vezes, nem na internet a gente encontra mais.


Outras amizades ficam na presença. Você conhece alguém de perto ou de longe, e ele fica. E mesmo longe - de vez em quando ou para sempre - ele permanece sempre perto; fica junto."


(Rubem Alves e Carlos E.Brandão, em Encantar o Mundo pela Palavra)


           


Foi pensando nessa frase dita pelo Rubem, que resolvi após alguns anos de distanciamento, visitar o amigo mais jovem de todos, Wilson. Digo jovem porque, do alto de seus mais de 80 anos, ainda conserva uma lucidez fora do comum, de corpo esguio e atlético para a idade que tem, resultado de anos de condicionamento físico para que a hanseníase não causasse sequelas maiores; sair com ele na rua é perder o fôlego e ficar para trás, tão rápido é o ritmo de seus passos, de causar inveja a muito marmanjo. Encontrá-lo foi uma alegria imensa, tal aparência de menininho que ele denota, com a pele rosada contrastando com a cabeleira branca, ele é único. Não representa nem o avô e nem o pai, é simplesmente o amigo! Uma amizade conquistada e provada a ferro e fogo, nas alegrias e lutas e, principalmente, nos momentos mais difíceis enfrentados em minha vida.


Ele estava me aguardando e sua alegria pelo reencontro foi proporcional à minha: mal toquei a campainha, lá vem ele em polvorosa para o abraço de anos de distancia sem se falar: eu tenho celular, ele não; ele fala ao telefone, eu não; eu uso emails, ele nem conhece internet. Nada é empecilho na comunicação quando se trata de uma grande amizade.


Conversamos e conversamos. Matamos saudade dos velhos tempos de luta. Teve um momento que lembrei a ele sobre um seminário organizado anos atrás pela ONG da qual ele é voluntário e que viera um palestrante e relatara sobre os horrores dos tempos passados, das sombras e das capturas dos doentes de hanseníase e a internação compulsória. Disse a ele que naquele encontro eu não sabia daquilo tudo com tantos detalhes e ficara chocada, então pedi a ele que explicasse melhor.


Com tanto interesse e na maior calma ele foi relatando os fatos, detalhe por detalhe, cronologicamente a seu tempo, tão certeiro e introspectivo, que me senti como criança a ouvir estórias. Quando decidi partir, disse-lhe que estava escrevendo um livro, e gostaria de contar um pouco sobre sua vida. Ele ficou tímido. Disse ainda que desejava que ele escrevesse um pouco de tudo que acabara de narrar, que eu incluiria no blog. Então ele concordou. Fiquei feliz não apenas pela aceitação, mas também porque ele enviaria o texto escrito, já que ele não domina o computador. Confesso que nunca encontrei uma escrita maravilhosa qual a caligrafia dele: perfeita, nítida e desenvolta. Talvez seja, dentre outros, dom que ele possui e desenvolve com maestria, mesmo com seus dedos atrofiados e carcomidos pela hanseníase.


Mas ele me surpreendeu: enviou o texto datilografado naquelas máquinas antigas...


 A transcrição do artigo segue no próximo post.


(Texto escrito em janeiro de 2011)







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