PRETENSÃO

Ampliar os horizontes da inclusão é a pretensão deste blog. E inclusão não apenas entendida como movimento de pessoas com deficiência, senão também abordar a ecologia, os movimentos de luta por direitos e cidadania, etc. Falar de inclusão, portanto, significa acolher o meio e todas as pessoas. Significa também respeitar e tolerar a singularidade, fazendo da compreensão uma forma de convivência pacífica e plural. Na inclusão ninguém pode ficar de fora!

sábado, 19 de setembro de 2015

NEM UM, NEM OUTRO... TODOS!


“Levando consigo coxos, aleijados, cegos, mudos e muitos outros...”
                                                                                                    Mt 15,29-32


Impossível mudar certas palavras contidas na Bíblia. Seus textos antiquíssimos revelam contrastes de cultura local, costumes e contextos que formam a diversidade no terreno religioso. 

Podemos, entretanto, transformar o conceito a ser pronunciado como mensagem atual, alterando termos já em desuso. Como exemplo, tome-se a citação de Mateus acima, onde encontramos palavras grafadas incorretamente e carregadas de estigma que, por serem muito antigas, poderiam ser traduzidas de forma a corresponder à terminologia utilizada atualmente como segue:

Deficientes físicos (os coxos e aleijados, mancos e atrofiados);
Surdos (permanece, pois é perda total de audição) e deficientes auditivos (perda parcial da audição);
Surdo-mudo não deve ser utilizado, mas substituído para deficiência da fala ou comunicação;
Cego (permanece, pois e perda total da visão);
Deficiente visual (perda parcial da visão);
Pessoas com hanseníase (leprosos);
Deficiente intelectual (deficiente mental, retardado);
Síndrome de Dow ou simplesmente Dow (mongolóides/mongol).

Uma vez feito os esclarecimentos necessários a respeito das terminologias que devem ser pronunciadas corretamente, aprofundemos um pouco a beleza desse capítulo: a atmosfera revela uma similaridade com as nossas romarias populares pelo país. Poderíamos num contexto imaginário, transportar esse acontecimento ora narrado por Mateus, para Aparecida do Norte/SP ou para o Círio de Nazaré de Belém/PA, ou ainda Bom Jesus da Lapa/BA e Juazeiro do Norte/CE, cujos locais acorrem milhares de peregrinos em suas romarias de fé. Entre casais, crianças, jovens e idosos, também se encontram as pessoas com deficiência.

Seriam os cenários idênticos? Onde multidões acorrem impulsionadas pela fé, pela devoção ao sagrado, imbuídos de alegria e correspondência à gratuidade da vida, seja ela sadia ou doente. E quando doente, almejam a cura dos males da mente e do corpo. E quantas graças alcançam pela fé! Isso é incontestável.

Quero entrar, cá nesta reflexão, no terreno do contestável: quando nós as pessoas com deficiência, somos confundidas, alegadas e catalogadas como se doente fossemos! Longe de nós, com todo o respeito aos romeiros e devotos dessa exuberante religiosidade popular – sou uma delas também – deste país rico em diversidade. Nós não somos os “eternos doentes”, nem os tais coitados e sofredores que muitos rezam e imploram por piedade, nada disso.

Se as pessoas são diversas, diversos são também seus propósitos, mas a fé é uma só: somos a imagem e semelhança perfeita de Deus e criados então para a felicidade. O que é isso então? É sermos quem somos, como somos e tal qual Ele nos fez: iguais. Só porque alguém não tenha uma perna, deixa de ser igual, como também quem não ouve e quem não vê. Do mesmo modo quem aparenta não possuir deficiência nenhuma pode apresentar outros tipos de limitação: emocional, psicológica e afins.

O que não devemos permitir é que nos rotulem com aquilo que realmente não somos – limitados e desiguais.

Quando fui criança e fiquei surda, perdi as contas das tantas romarias à Aparecida, tanto com a família quanto os parentes, na busca de que eu recuperasse a audição. É normal, é desejo de muitos querer alguém dos seus recuperado e com saúde. Mas eu não entendia isso, reagia normal, criança que era, e gostava mesmo da viagem, do piquenique, do parquinho, passear de cavalinho. Isso é tão sagrado para as crianças.

E se eu tinha saúde, isso que importava e o desafio ficava então por conta de encarar outros caminhos pela superação. Os pedidos foram vãos? Não. As preces foram atendidas? O milagre aconteceu? Sim e sim. O milagre se operou assim: aprendi a ouvir com os olhos e também com o coração. Deus é artista dez: troca o remendo e põe algo diferente no lugar.

E vemos como como Mateus salienta a fala e a prática de Jesus que produz a diferença: "Tenho compaixão desta multidão..." v.32. Trata-se de uma pedagogia do profundo sentimento experimentado por Ele em suas ações concretas: misericórdia e compaixão. Isso traduzido em nossa língua portuguesa remete para: dó, pena, comiseração com a desgraça alheia, enquanto que, na tradução hebraica a variante apresenta outro sentido: compaixão é HESSED, significando favor, benefício, graça, benevolência, amabilidade, lealdade, fidelidade, atração. A compaixão de Jesus é, portanto, tomar para si a situação do outro, transformando-a! Ele não é morno, é radical.

O que Jesus faz? Simplesmente cura, não por ficar penalizado com as dores do outro, mas para retirar da exclusão em que está submerso, produtora de desigualdades, solidarizando e promovendo assim, os que estão fora do convívio social.

A cura, que busca sentido de restituir, fazer justiça, devolver o direito, a igualdade, comporta também hoje um compromisso social e comunitário de mudança de mentalidade e atitudes frente às situações que dificultam, denigrem e impedem a vida plena das pessoas com deficiência ao trabalho, à educação, igreja, lazer, afetividade/sexualidade e família, dentre outros.

Temos que nutrir nossa fé e sustentá-las na esperança.

Acreditar na cura, no milagre é também arregaçar as mangas e ir à luta, pois a cura é estrada de mão dupla: Deus faz a parte dele e ainda respeita nosso livre arbítrio; que façamos a nossa. Mas como fazer isso? A ciência está aí, a medicina, a reabilitação: fisioterapia, equoterapia, fonoaudiologia, locomoção e mobilidade, informática, braile, libras, esportes, educação e tantos outros.



Pela Inclusão e pela Vida!



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