“A
tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar o que ninguém ainda
pensou sobre aquilo que todo mundo vê” (Arthur Schopenhauer)
Antigamente (quando criança)
era costume a família fazer as compras do mês (ou da semana) num armazém de
secos e molhados, onde se encontrava de tudo, desde gêneros alimentícios,
roupas, louças e utensílios de cozinha e que se estendia também a cordas,
ferramentas e materiais elétricos. Tudo num único estabelecimento apenas, que
só havia na vila ou então no centro da cidade.
Hoje, temos os supermercados
mais variados para escolher, seja por local, preços e sortimento de produtos,
tão diferente de antigamente onde o quesito – opção do consumidor – é o que se
leva em conta.
Usando dessa analogia,
encontrei uma forma de falar sobre acontecimentos transcorridos por ocasião da prova
de redação do ENEM 2017 no último domingo, nada ligado ao terreno do consumo,
mas que diz respeito ao direito da pessoa poder escolher um modelo de educação que
venha de encontro com seus anseios e necessidades e não onde ela tenha que se
adaptar compulsoriamente.
Refiro-me ao estudante surdo
carioca que prestou o referido exame e, surpreso com o tema da redação,
aproveitou elaborar sua dissertação baseando-a na trajetória de exclusão a que
foi submetido primeiramente na PUC/RJ e depois na UFRJ. Valendo-se do resultado
do Enem/2016, ingressou no início deste ano na PUC/RJ no curso de Filosofia,
sendo beneficiado com uma bolsa de estudos. Como é oralizado (faz leitura labial)
e usuário de tradução simultânea (lê os lábios do tradutor em tempo real), não
se adaptou às aulas com Intérprete de Sinais já que não domina a Libras. Como
resultado, seu fraco aproveitamento pela falta de comunicação custou-lhe a
bolsa e o trancamento do curso. Seis meses depois ingressou na UFRJ,
classificando-se em primeiro lugar no curso de História, com a esperança de que
ali, por ser pública, pudesse encontrar melhor acesso. Acabou não encontrando
nenhum.
Bastou o tema da redação do
exame atual apontar para “Desafios para a formação educacional de surdos no
Brasil”, que começaram a pipocar casos de às quantas tem andado o quadro da
exclusão na educação do país. A começar pela falta de conhecimento das
diferenças entre surdez e deficiência auditiva; de que nem todo surdo usa
Libras; como nem todo sinalizado tem domínio pleno da língua portuguesa e por
aí vai...
Voltando lá no armazém, onde o
feijão e o arroz disponíveis ficavam armazenados soltos em caixotes de madeira
e eram vendidos a quilo e acondicionados em sacos de papel - sem validade nem
origem e procedência, tão diferente dos cinco quilos que hoje compramos nos
mercados e com centenas de marcas e procedências - há de convir que o tempo,
os avanços e a tecnologia transformaram completamente o mercado, de modo que a
variedade possibilitou às pessoas escolher de acordo com seus gostos e bolsos.
Do mesmo modo, não se pode
simplificar a educação de surdos e/ou deficientes auditivos de forma simplista,
onde basta apenas colocar um Intérprete de Libras numa sala de aula que tudo
estará resolvido.
A surdez é diversa, assim como
as formas variadas de comunicação entre os sujeitos. Logo, a pessoa não pode
sofrer imposição a um único sistema oferecido, como aconteceu com o Bernardo
acima. Ela tem o direito de escolher o que melhor vem de encontro a seus
anseios para que possa desenvolver suas habilidades com liberdade e respeito,
afinal vivemos num sistema democrático e com garantias na Constituição Federal.
Com todo respeito que dedico a
quem se utiliza de comunicação em Libras, considero que se deve respeitar
também quem não domina essa língua, como os oralizados e os implantados.
E como as mudanças não acontecem
da noite para o dia, pensar os desafios educacionais para surdos ou deficientes
auditivos é salutar a recomendação primordial para os pais e famílias diante de
um quadro de surdez, de que se deve começar na primeira infância com
profissionais habilitados, logo da detecção da surdez, para que se tenham informações
e aconselhamentos quanto ao direcionamento às políticas de atenção à saúde e
educação como medidas de reabilitação e inclusão, que abrangem a adaptação de
aparelhos de amplificação sonora; fonoterapia; implante coclear (ouvido
biônico) dentre outros.
Há de se ressaltar que
especialistas em audição tem reafirmado que é constante a falta de informações na
família, no momento da instalação do quadro de surdez, somadas à instabilidade
emocional e psicológica dos pais, quanto ao acesso a esses serviços de
reabilitação, que tem sido a causa pela qual muitos deles recorrem à Libras
como se a única forma de comunicação disponível, quando esta deveria ser a
última alternativa, esgotadas todas as tentativas por alternativas. Daí a
disseminação dessa forma de comunicação como a mais utilizada.
Informação é tudo.
Pela Inclusão e pela Vida!
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