Não, o assunto deste não é sobre acessibilidade literalmente falando, já que o tema acima a ela se refere logo em primeiro plano.
Falo um pouco de natureza, de querer sem ter, de respeito e de liberdade.
Por uns dois anos, mudamo-nos de casa. Deixamos o sobrado e fomos para uma casa térrea. A experiência não deu muito certo, então voltamos. Foi bom poder voltar. Há situações na vida em que recuos se fazem necessários. Como disse a poetisa chilena Gabriela Mistral:
“Dai-me Senhor, a perseverança das ondas do mar, que fazem de cada recuo um ponto de partida para um novo avanço”.
Então, neste retorno, observamos que as três árvores plantadas no quintal da casa (o Calistemo, o Ipê-Amarelo e a Baúna) cresceram demasiado e avolumaram-se de tal modo que, por ser o espaço pequeno, seus galhos se abraçaram formando como que uma árvore única de variadas folhas.
Pena que por ali só apareciam os pardais.
No mês de setembro, quando surgiam as primeiras frutinhas da Baúna, pouco assemelhada a cerejinhas disformes, surgiam os sabiás e sanhaços e faziam a festa naqueles troncos, trazendo alegria aos olhos e ouvidos (dos outros, é claro) depois sumiam. Pensava eu como seria bom se eles fossem mais frequentes. Tenho horror a gaiolas.
Como tê-los então, em liberdade?
Numa tarde, assistindo pela TV uma reportagem sobre o aumento dos sabiás e outros pássaros no Parque do Ibirapuera, na Capital, constatei que isso se devia à persistência de um japonês que alimentava com frequência as aves com frutas, daí o crescimento. Perguntado se tinha muita despesa para a alimentação, ele alegou a assiduidade às feiras livres e, enquanto explicava sua intenção, angariava as frutas amassadas e que não seriam colocadas à venda. Assim foi ganhando a confiança dos feirantes e enchendo o carrinho. Sua chegada ao parque causava o maior alvoroço, principalmente entre os sabiás. Deu gosto ver aquilo.
Fazer um comedouro seria a forma de atrair os sabiás. E inicialmente comprar as frutas. O momento certo para isto coincidiu com o fim daquelas frutinhas vermelhas que falei, ou seja, na metade do mês de setembro elas secavam e as aves debandavam.
Montamos então o dito comedouro no alto das árvores com pequenos pedaços de frutas.
Primeiro dia: inevitavelmente moscas, mosquitos e besouros voadores invadiram a área.
Segundo dia, os mesmos insetos.
Terceiro dia, idem e uma chuva que derrubou tudo...
Quarto dia, remodelagem do comedouro, amarrando-o com linha de pesca e suspendendo-o por entre os galhos.
Sexto dia, uma pequena corruíra vem apreciar as laranjas.
Sétimo dia, ah... Pensando bem, vamos descansar.
Depois de um mês, foi possível observar a presença, mesmo que tímida, de alguns sabiás e vários sanhaços desconfiados e que, depois de rápida bicadinha desapareciam.
Quase três meses se passaram e já é possível ver o “trânsito” de aves que se formou no quintal, com direito a banquinho para contemplar aquele visual colorido: sabiás, sanhaços, bem-te-vis, corruíras e maritacas. As rolinhas e o joão-de-barro, embora não compartilhem das frutas, batem ponto todos os dias por entre os galhos, à procura de sombra.
Surgiu então a preocupação: e se aquelas aves se acostumassem com a comida, deixando assim de buscar o alimento na natureza. Seria uma grande responsabilidade. Ao mesmo tempo, vi um dos sabiás caçando minhoca no jardim da casa vizinha e pensei então diminuir a quantidade de comida de modo a equilibrar a refeição. Houve também o fator rotatividade, onde as aves não comem todas juntas (quanta briga). Na vez de um, o outro aguarda.
E hoje, surpreendentemente, um papai-sabiá trouxe os dois filhotes recém-saídos do ninho e estabeleceu-os no território. Por conta disso, nenhum outro pássaro conseguiu se aproximar do comedouro, tamanho escândalo fazia. Mas isso é passageiro; assim que aqueles filhotes alçarem voo, questão de dias deixarão o ponto.
A natureza é perfeita!
Analisando o fato pela ótica das relações humanas, vejo uma lição de aprendizado a ser tirada do comportamento das aves. Quando queremos algo, temos que nos empenhar para tal. O empenho leva à constância e esta ao respeito e à liberdade. As aves vem e vão atraídas pelas frutas, muito mas pela persistência...
Podemos querer sem possuir, ter sem manipular e conviver com a diversidade respeitando a singularidade de cada um. Singular faz o plural.
O respeito e a liberdade são frutos do amor. E amor gera alegria, bem querer.
(Texto editado em 2013 e repostado por ter se tornado uma situação comum entre as árvores do quintal nessa temporada).
Pela Inclusão e pela Vida.
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