Todos
tem uma história de vida para contar. Não conheço quem não goste de contar a
sua história, narrando suas origens. De onde e de quem viemos, onde e com quem
estamos, para onde seguimos... Tem sido este o caminho de toda criatura humana.
Há
quem goste de narrar sua história de forma oral, nunca se cansando de tornar a
recontá-la a cada vez que novos relacionamentos vão surgindo. Outros arriscam
alguns apontamentos e vão juntando pequenos fragmentos para deixar como memória.
Outros ainda vão mais longe e debruçam-se pelo caminho da narrativa de suas
origens, recolhendo fatos e relatos, pesquisando locais, datas e pessoas. Por
fim, montando o cenário em que se descortinam as cenas do palco da vida.
Vivendo
numa família numerosa, tanto por parte de pai quanto por parte da mãe, cresci
aprendendo histórias de vidas. Mas foi nestes últimos dias que, visitando a
cidade gaúcha de Farroupilha, considerada o berço da imigração italiana no Rio
Grande do Sul, é que tive um contato maior com rostos, traços e feições,
cultura e religiosidade, bem como a culinária que a herança italiana marcou
indelevelmente por ali.
O
sangue italiano também corre em minhas veias. Logo, a memória de meu avô
paterno Eugênio Frizo (grafado com apenas um Z), que se vivo fosse, teria
completado 126 anos neste outubro de 2014, perseguiu-me por todo o tempo em que
ali permaneci:
- Mas
como não sei direito onde ele nasceu? Nem meu pai, nem meus tios? Perguntei-me
por vezes seguidas.
Mas perguntar
a quem? Tudo que meu pai, o penúltimo dos 15 filhos, possui como pertence de seu
pai é apenas uma foto e uma caderneta com anotações de quando trabalhara como
colono do café. Tio João, o antepenúltimo, que junto com meu pai pouco sabem àquele respeito, são os únicos ainda vivos. Foram muitos anos passados para se pesquisar
e pessoas que se foram...
Contudo,
a herança maior fica nas memórias, na riqueza dos contos orais relatados da
vida e história deste italiano que, segundo consta na caderneta, nasceu em
Bassanello, Província de Pádua, em 17 de outubro de 1888. Filho de Santo Frizo
(a escrita também contém apenas um Z) e de d. Noventa Luisa.
Procurando
registros da entrada da família do vô Eugênio no Brasil, nos arquivos dos
portos de Santos e Rio Grande do Sul quando da chegada dos imigrantes, bem como
na Casa do Imigrante no Brás, meus irmãos Marcelo e Marco Antonio nada
encontraram. Um amigo deste último, com alguns parentes residentes na cidade de
Pádua, na Itália e colaborou pesquisando nos cartórios daqueles arredores e trouxe-nos uma
cópia como que sendo o registro do assento de meu avô que, embora ainda não
tenhamos 100% de certeza, traz alguns detalhes que atestam a veracidade.
Tal
registro (em italiano), lavrado em 21/10/1888, atesta o nascimento de Eugênio
Giacinto Friso (com S), nascido
em 17 de outubro de 1888, em Albignasego, província de Padova (ou Pádua). Filho
de Santi Friso e Noventa Maria.
Percebem-se
pequenos detalhes que fazem diferença. Ora pendendo para a veracidade, ora para
a dúvida. Mas que são dados que mexem com a sensibilidade porque revela a
origem daquele que seria o patriarca da família. Contudo, mais que buscar o
verdadeiro, importam atos e fatos de uma existência que se impôs, marcou
presença e deixou traços, valores e a posteridade.
Ainda
em Farroupilha, conversando com Ana Lumbieri, manicure e também filha de
imigrantes, sobre a surpresa que tivera no dia anterior ao encontrar na
etiqueta de um fabricante de cuias de mate, o sobrenome Frizzo e, verificando
depois que se tratava de sobrenome comum no sul, disse-lhe da busca sem sucesso
que fizemos sobre meu avô. A resposta daquela mulher simples e cheia de
sabedoria veio de forma tão natural e como um consolo:
- “Tantos meses presos num navio, sabe-se lá como
sofreram. Aquele povo queria mesmo é por os pés no chão firme e as mãos na
terra! Ainda mais, com aquelas pulseiras de imigrante amarradas no braço, nem
importava de onde vinham, mas para onde iam... Bah... Tchê!”
A
família de meu avô aportou no Brasil quando ele contava apenas um ano de idade,
vindo para a lavoura cafeeira como tantos outros imigrantes à época. A história
começa então por aqui...
Contratado
muito jovem e estabelecido como colono de café entre os municípios de Bragança,
Jarinu e Piracaia, no interior paulista, vô Eugênio casou-se aos 20 anos com
minha avó Josefa Ramos. O casal teve 15 filhos, sendo meu pai o 13º deles.
Morando
e vivendo da terra, nela fincando as ferramentas que ferem e rasgam o solo, ao
mesmo tempo em que afofam o ventre escuro que recebe a semente a vingar a
planta que trará o sustento... Esse foi o maior dom de meu avô.
“E Deus disse: Vejam! Entrego a vocês todas
as ervas que produzem sementes e estão sobre toda a terra, e todas as árvores
em que há frutos que dão semente: tudo isto será alimento para vocês.” Gênesis 1,29.
A história
se repete, mudam-se apenas os atores...
Vó
Josefa, a mãe exemplar, mulher franzina e de frágil saúde, mas determinada
e de visão aguçada, acreditava que a educação familiar aliada ao estudo é que
formava o caráter das pessoas. Não se conformando em ver os numerosos rebentos
seguirem, o árduo caminho de trabalhar exclusivamente a terra, decidiu que
chegara o momento de dar novo rumo à família e colocar as crianças na escola.
Já o
“seo” Eugênio, era sujeito calmo e bonachão, que gostava de acarinhar e prosear
os filhos quando voltava da lida, deu razão à esposa e a família mudou-se então
para Jundiaí.
Vivendo
nesta cidade até a adolescência, meu pai e seus irmãos tiveram também, por
influência da mãe, uma profunda formação religiosa, que fazia dela verdadeiro
esteio da família. A missa aos domingos e a reza contínua do terço antes de
deitar, que se alongava na sexta-feira, eram sagrados. Ai daquele que alegasse
sono, preguiça ou má vontade, pois, ali no canto do fogão à lenha, havia sempre
uma vara de marmelo limpinha e untada com banha à espera, e quando aplicada,
além de assobiar deixava marcas pelo corpo.
A
família mudou-se para Guarulhos no ano de 1948.
Minha
avó Josefa faleceu em março de 1954. E o vô Eugênio seguiu-a logo depois, em abril
do mesmo ano.
À
posteridade deixaram a educação, a espiritualidade e os valores.
Meu
pai herdou o dom e carinho pela terra. Um dos netos, César, é agrônomo e tem o
hobby de distribuir mudas onde quer que vá, em prol da natureza, do verde!
E a autora deste tem predileção por jardins...
(Post editado em novembro de 2014. Repostado em memória aos 130 anos de meu avô Eugênio Frizo)
(Post editado em novembro de 2014. Repostado em memória aos 130 anos de meu avô Eugênio Frizo)
Pela
Inclusão e pela Vida!
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