PRETENSÃO

Ampliar os horizontes da inclusão é a pretensão deste blog. E inclusão não apenas entendida como movimento de pessoas com deficiência, senão também abordar a ecologia, os movimentos de luta por direitos e cidadania, etc. Falar de inclusão, portanto, significa acolher o meio e todas as pessoas. Significa também respeitar e tolerar a singularidade, fazendo da compreensão uma forma de convivência pacífica e plural. Na inclusão ninguém pode ficar de fora!

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

VÔ EUGÊNIO




Todos tem uma história de vida para contar. Não conheço quem não goste de contar a sua história, narrando suas origens. De onde e de quem viemos, onde e com quem estamos, para onde seguimos... Tem sido este o caminho de toda criatura humana.

Há quem goste de narrar sua história de forma oral, nunca se cansando de tornar a recontá-la a cada vez que novos relacionamentos vão surgindo. Outros arriscam alguns apontamentos e vão juntando pequenos fragmentos para deixar como memória. Outros ainda vão mais longe e debruçam-se pelo caminho da narrativa de suas origens, recolhendo fatos e relatos, pesquisando locais, datas e pessoas. Por fim, montando o cenário em que se descortinam as cenas do palco da vida.

Vivendo numa família numerosa, tanto por parte de pai quanto por parte da mãe, cresci aprendendo histórias de vidas. Mas foi nestes últimos dias que, visitando a cidade gaúcha de Farroupilha, considerada o berço da imigração italiana no Rio Grande do Sul, é que tive um contato maior com rostos, traços e feições, cultura e religiosidade, bem como a culinária que a herança italiana marcou indelevelmente por ali.

O sangue italiano também corre em minhas veias. Logo, a memória de meu avô paterno Eugênio Frizo (grafado com apenas um Z), que se vivo fosse, teria completado 126 anos neste outubro de 2014, perseguiu-me por todo o tempo em que ali permaneci:

- Mas como não sei direito onde ele nasceu? Nem meu pai, nem meus tios? Perguntei-me por vezes seguidas.

Mas perguntar a quem? Tudo que meu pai, o penúltimo dos 15 filhos, possui como pertence de seu pai é apenas uma foto e uma caderneta com anotações de quando trabalhara como colono do café. Tio João, o antepenúltimo, que junto com meu pai pouco sabem àquele respeito, são os únicos ainda vivos. Foram muitos anos passados para se pesquisar e pessoas que se foram...

Contudo, a herança maior fica nas memórias, na riqueza dos contos orais relatados da vida e história deste italiano que, segundo consta na caderneta, nasceu em Bassanello, Província de Pádua, em 17 de outubro de 1888. Filho de Santo Frizo (a escrita também contém apenas um Z) e de d. Noventa Luisa.




Procurando registros da entrada da família do vô Eugênio no Brasil, nos arquivos dos portos de Santos e Rio Grande do Sul quando da chegada dos imigrantes, bem como na Casa do Imigrante no Brás, meus irmãos Marcelo e Marco Antonio nada encontraram. Um amigo deste último, com alguns parentes residentes na cidade de Pádua, na Itália e colaborou pesquisando nos cartórios daqueles arredores e trouxe-nos uma cópia como que sendo o registro do assento de meu avô que, embora ainda não tenhamos 100% de certeza, traz alguns detalhes que atestam a veracidade.

Tal registro (em italiano), lavrado em 21/10/1888, atesta o nascimento de Eugênio Giacinto Friso (com S), nascido em 17 de outubro de 1888, em Albignasego, província de Padova (ou Pádua). Filho de Santi Friso e Noventa Maria.

Percebem-se pequenos detalhes que fazem diferença. Ora pendendo para a veracidade, ora para a dúvida. Mas que são dados que mexem com a sensibilidade porque revela a origem daquele que seria o patriarca da família. Contudo, mais que buscar o verdadeiro, importam atos e fatos de uma existência que se impôs, marcou presença e deixou traços, valores e a posteridade.

Ainda em Farroupilha, conversando com Ana Lumbieri, manicure e também filha de imigrantes, sobre a surpresa que tivera no dia anterior ao encontrar na etiqueta de um fabricante de cuias de mate, o sobrenome Frizzo e, verificando depois que se tratava de sobrenome comum no sul, disse-lhe da busca sem sucesso que fizemos sobre meu avô. A resposta daquela mulher simples e cheia de sabedoria veio de forma tão natural e como um consolo:

- “Tantos meses presos num navio, sabe-se lá como sofreram. Aquele povo queria mesmo é por os pés no chão firme e as mãos na terra! Ainda mais, com aquelas pulseiras de imigrante amarradas no braço, nem importava de onde vinham, mas para onde iam... Bah... Tchê!”

A família de meu avô aportou no Brasil quando ele contava apenas um ano de idade, vindo para a lavoura cafeeira como tantos outros imigrantes à época. A história começa então por aqui...

Contratado muito jovem e estabelecido como colono de café entre os municípios de Bragança, Jarinu e Piracaia, no interior paulista, vô Eugênio casou-se aos 20 anos com minha avó Josefa Ramos. O casal teve 15 filhos, sendo meu pai o 13º deles.

Morando e vivendo da terra, nela fincando as ferramentas que ferem e rasgam o solo, ao mesmo tempo em que afofam o ventre escuro que recebe a semente a vingar a planta que trará o sustento... Esse foi o maior dom de meu avô.

E Deus disse: Vejam! Entrego a vocês todas as ervas que produzem sementes e estão sobre toda a terra, e todas as árvores em que há frutos que dão semente: tudo isto será alimento para vocês.” Gênesis 1,29.

A história se repete, mudam-se apenas os atores...

Vó Josefa, a mãe exemplar, mulher franzina e de frágil saúde, mas determinada e de visão aguçada, acreditava que a educação familiar aliada ao estudo é que formava o caráter das pessoas. Não se conformando em ver os numerosos rebentos seguirem, o árduo caminho de trabalhar exclusivamente a terra, decidiu que chegara o momento de dar novo rumo à família e colocar as crianças na escola.

Já o “seo” Eugênio, era sujeito calmo e bonachão, que gostava de acarinhar e prosear os filhos quando voltava da lida, deu razão à esposa e a família mudou-se então para Jundiaí.

Vivendo nesta cidade até a adolescência, meu pai e seus irmãos tiveram também, por influência da mãe, uma profunda formação religiosa, que fazia dela verdadeiro esteio da família. A missa aos domingos e a reza contínua do terço antes de deitar, que se alongava na sexta-feira, eram sagrados. Ai daquele que alegasse sono, preguiça ou má vontade, pois, ali no canto do fogão à lenha, havia sempre uma vara de marmelo limpinha e untada com banha à espera, e quando aplicada, além de assobiar deixava marcas pelo corpo.

A família mudou-se para Guarulhos no ano de 1948.

Minha avó Josefa faleceu em março de 1954. E o vô Eugênio seguiu-a logo depois, em abril do mesmo ano.

À posteridade deixaram a educação, a espiritualidade e os valores.

Meu pai herdou o dom e carinho pela terra. Um dos netos, César, é agrônomo e tem o hobby de distribuir mudas onde quer que vá, em prol da natureza, do verde!

E a autora deste tem predileção por jardins...


(Post editado em novembro de 2014. Repostado em memória aos 130 anos de meu avô Eugênio Frizo)



Pela Inclusão e pela Vida!





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