“Senhor,
eu quero ver de novo!”
Mc 10,51
Quanto já me ocorreu de encontrar pelas ruas um
‘caminhar de dois’ cegos ou deficientes visuais, munidos de suas bengalas a
tatear o chão, na busca de algum destino conjunto.
Compassados ou não, é uma cena que está ficando muito
comum pelas ruas, graças à formação que lhes são oferecidas de “Orientação e Mobilidade”
em algumas instituições. De início, não é um curso fácil. Tal como aprender a
andar de bicicleta, a ginga só vem depois de muitos tropeções e quedas com
joelhos, braços e pernas roxos e ralados. Porém, com paciência, disciplina e
perseverança o caminho vai se fazendo a cada passo dado, o que é uma
vitória.
O leitor já deve ter se deparado também com
grupos de dois ou até três cegos caminhando juntos pelas ruas, onde apenas um
deles vai tateando com a bengala e o (s) outro (s) seguem-no apoiados pelo
braço.
Uma versão mais avançada desta mobilidade é o
caso dos cegos ou deficientes visuais que possuem um cão guia. Isto sim, é uma
verdadeira locomoção com independência e segurança. Quem dera todos tivessem
seus cães. Mas faltam cachorros treinados. O custo é alto e demorado, a
demanda grande!
E cada vez que os vejo em grupos, caminhando e
senhores de seu destino, me recordo daquela frase de Jesus certa vez:
“Pode um cego guiar outro? Não cairão os dois no
mesmo buraco?” (Lucas 6,39)
Embora o direcionamento da mensagem tivesse
outros destinatários, literalmente, costumo até brincar com esta máxima, de que
naquele tempo não havia esses cursos de Orientação e Mobilidade e daí os cegos
caiam sim, nos buracos.
Falando sobre isto, gosto de extrair a
profundidade das atenções que Jesus oferecia a seus seguidores, seus
ouvintes e daqueles que a Ele acorriam com curiosidade e com fé.
São Marcos conta em seu evangelho que havia um cego, de nome Bartimeu, que além
de cego era também um pobre a mendigar esmolas, logo um excluído. Já ouvira
falar da fama de Jesus e assim que soube que Ele passava por ali não perdeu a
oportunidade de aproximar-se. Mas como? Sendo excluído, ninguém dava a mínima.
Porém, sendo também inteligente, soube usar aquilo que mais tinha de afinado
além da audição: a língua. Passou então a gritar e chamar por Jesus, que o
ouviu, chamou-o e fê-lo enxergar de novo pela veracidade manifesta de sua fé.
Da margem, Jesus traz o sujeito para o centro. E
mostra que se interessa por aquilo a que ninguém está. E deixa manifesta a
falsidade reinante que dá lugar então à hipocrisia excludente daquela sociedade
de então.
Hipocrisias nós também vemos por toda parte,
todos os dias: descasos, omissões, preconceitos, piadinhas de mau gosto contra
deficientes, anões, obesos, dentre outros. Temos leis para tudo que atendam às necessidades
das pessoas com deficiência, muitas ainda no papel. É simplesmente tudo devagar...
Nada para hoje.
Como se não bastasse nosso Ordenamento Jurídico
garantindo que somos seres iguais, com plenos direitos assegurados, a prática
tem-se mostrado muitas vezes inversa e não devemos permitir que nos rotulem com
aquilo que realmente não somos – limitados e desiguais.
Tal o ocorrido com Bartimeu, que voltou a ver de
novo através da cura, precisamos reforçar também a nossa fé em querer ver de
novo; andar de novo; ouvir de novo que comporta igualmente fazer justiça,
devolver o direito, a igualdade, o compromisso social e comunitário de mudança
de mentalidade e atitudes frente às situações que dificultam e impedem a vida
plena das pessoas.
A fé e o empenho dão essa capacidade de
acreditar que, mesmo sendo necessário
suportar as contradições da vida, nunca deixar o lugar dos desafios, mas nele
aprendendo a superar-se para transformá-lo.
Pela Inclusão e pela Vida!
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