PRETENSÃO

Ampliar os horizontes da inclusão é a pretensão deste blog. E inclusão não apenas entendida como movimento de pessoas com deficiência, senão também abordar a ecologia, os movimentos de luta por direitos e cidadania, etc. Falar de inclusão, portanto, significa acolher o meio e todas as pessoas. Significa também respeitar e tolerar a singularidade, fazendo da compreensão uma forma de convivência pacífica e plural. Na inclusão ninguém pode ficar de fora!

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

AGORA, COM A PIPA!










Voar voar, subir subir ir por onde for

Descer até o céu cair ou mudar de cor...
(Sonho de Ícaro)




Depois daquele dia, voltamos a nos encontrar com mais frequência. Passei a reparar mais no seu jeito, seu olhar, suas mãos...

E ele também passou a notar minha presença a cada vez que nos encontrávamos ali. Resolvi ser mais comedida nas abordagens, no sorriso, nos breves cumprimentos. Respeitar o espaço, o ser, o agir em seus altos e baixos, ora sereno, ora agitado.

Se não o avistasse na chegada, tinha certeza que poderia vê-lo na hora do almoço. Ali, o horário da refeição é um ritual tão sagrado.

Encontrei-o quando saía do refeitório. Ele estava sentado na beirada de um dos bancos dispostos na alameda. Sob  a sombra de árvores que nunca me arrisco abrigar, devido à enorme quantidade de lagartas que caem sobre algum desavisado.

Dei-lhe um sorriso e, pela primeira vez, recebi outro de volta. Observei-o melhor e notei que havia raspado a cabeça. Tinha também uma cicatriz recente na parte inferior do crânio. Um tombo? Uma briga? Talvez um acesso de convulsão, típico de seu quadro neurológico.

E ele estava tão feliz que foi possível descobrir o motivo daquela felicidade. Mesmo que lhe perguntasse qual a razão, ele nunca responderia, afinal suas respostas não passam de pouquissímas palavras.

A seu lado estava a inseparável lata pintada, envolta pela volumosa linha branca sem cerol. O que completava sua alegria desta vez era a pipa colorida amarrada grosseiramente na ponta da linha e deitada sob o chão. Sim, era ela a razão daquele brilho em seu olhar!

- Que legal, disse-lhe. Agora você tem uma pipa!

Ele abaixou a cabeça e sorriu timidamente. Olhou então para o lado e fez um sinal para o amigo que chegava cambaleante e apressado em sua direção. Este, com toda a dificuldade motriz, ajoelhou-se e apanhou a pipa com uma das mãos enquanto a outra se apoiava no chão, de modo a manter o equilíbrio do corpo. Levantou-se ansiosamente e foi logo se afastando dali, como que a ganhar distância para que o objeto planasse, ganhando os ares.

Admirei-me com aquilo tudo, depois de observar dois seres como tantos que estão na casa, tão unidos e tão distantes ao mesmo tempo. O que os une? O que separa? A deficiência, os distúrbios? O atraso cognitivo? Tão similares e puros naquele desejo de compartilhar uma brincadeira, como a duas crianças, e ainda, destrutivos a ponto de se machucarem, inconscientemente.

Mistério...

A pipa não subiu. Talvez nem suba!

O prazer está na lata. E também na pipa. A descoberta e o manuseio constante de aquele enrolar e desenrolar, funcionando como que uma terapia, deixa-o tão absorto e feliz.

Simples assim...

Ah, vida! Viver um dia de cada vez, com suas dores e alegrias.



Pela Inclusão e pela Vida.





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