PRETENSÃO

Ampliar os horizontes da inclusão é a pretensão deste blog. E inclusão não apenas entendida como movimento de pessoas com deficiência, senão também abordar a ecologia, os movimentos de luta por direitos e cidadania, etc. Falar de inclusão, portanto, significa acolher o meio e todas as pessoas. Significa também respeitar e tolerar a singularidade, fazendo da compreensão uma forma de convivência pacífica e plural. Na inclusão ninguém pode ficar de fora!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O TATO QUE DÁ LUGAR AO OLHAR




Não sei onde nem quando ocorreu aquele achado. Enquanto pressionava o controle remoto sobre o botão de canais, passei por ali e segui adiante, mas quando vi que se tratava de um programa legendado, voltei rapidamente para observar melhor seu conteúdo. Estava quase no final, o bastante para ver que tratava sobre os caminhos da inclusão.

Pelo modo de gesticular os lábios, pessoas falavam espanhol. O documentário apresentava um ônibus itinerante que percorria tal país, parando de quando em vez em alguma cidade e oferecendo cursos culinários para pessoas com deficiência visual. A cada final de aula o ônibus transformava-se em restaurante e abria as portas para a comunidade provar a comida feita por seus alunos cegos.

Uma fila de crianças, adolescentes e idosos se formava ali fora para o almoço. No cartaz afixado dizia que a refeição seria servida aos fregueses com olhos vendados, de modo que experimentassem como é feita a refeição por uma pessoa cega. Assim, a venda era colocada antes de se adentrar no ônibus e retirada só na saída.

Como peguei a programação andando, vi duas mulheres cegas preparando uma massa na tigela, tateando com delicadeza e também com receio uma covinha central feita na farinha, para ali colocar os ovos, depois o fermento, depois o óleo e, finalmente, ir sovando o produto de seu aprendizado... Alguém já pensou nisto? Sentir a leveza da farinha, a maciez da gema e a liga da massa sendo trabalhada nas mãos, sem o olhar?

Lembrei-me da primeira vez em que fui testar o forno de micro-ondas e resolvi fazer um franguinho assado. De sabor até que não ficou tão ruim. Só não tinha beleza nenhuma: ficou branco tal como se estivesse cru. Nunca mais repeti o feito. Isto porque, nós videntes, comemos com os olhos! Dizem que as filhas aprendem a cozinhar na mesma panela da mãe. Concordo até em parte, mas tenho uma forma de cozinhar própria, pouco diferente do modo de minha mãe. As carnes, por exemplo, quando se trata de adquirir cor, ela deixa cozer muito mais tempo que eu. Questão de gosto.

Ao final da degustação, uma pesquisadora quis saber a opinião dos participantes, tanto dos fregueses em relação à comida quanto dos alunos no seu preparo. Quem provou do almoço relatou que ficou inseguro no início, bem como da dificuldade de manusear os talheres no prato, sendo necessário fazê-lo mais devagar que o normal sob o risco de se machucarem com o garfo. Outros, relataram que sentiram seus olfatos mais aguçados e isto atiçava o paladar. E ainda houve quem dissesse que a venda nos olhos fez com que as pessoas falassem mais alto e aguçassem a audição naquela escuridão.

Bonito mesmo foi ver a reação daqueles cozinheiros especiais ao final do programa, num misto de surpresa, euforia e realização pessoal no preparo de pratos simples, mas caprichados, sob a orientação de cozinheiros gabaritados para acompanhá-los por todo o ambiente da cozinha como atividade de vida diária, que muitas vezes é visto pelos próprios cegos como o mais perigoso, dada a imensa variedade de utensílios e apetrechos, desestimulando-os em arriscar um novo prato.

Vitória e superação...

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“Jesus e seus discípulos chegaram a Betsaida. Algumas pessoas trouxeram-lhe um cego e pediram a Jesus que tocasse nele. Jesus pegou o cego pela mão, levou-o para fora do povoado, cuspiu nos olhos dele, colocou as mãos sobre ele e perguntou: ‘Estás vendo alguma coisa?' O homem levantou os olhos e disse: ‘Estou vendo os homens. Eles parecem árvores que andam’. Então Jesus colocou de novo as mãos sobre os olhos dele e ele passou a enxergar claramente. Ficou curado e enxergava todas as coisas com nitidez.” (Marcos 8,22-25)




Pela Inclusão e pela Vida.





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