PRETENSÃO

Ampliar os horizontes da inclusão é a pretensão deste blog. E inclusão não apenas entendida como movimento de pessoas com deficiência, senão também abordar a ecologia, os movimentos de luta por direitos e cidadania, etc. Falar de inclusão, portanto, significa acolher o meio e todas as pessoas. Significa também respeitar e tolerar a singularidade, fazendo da compreensão uma forma de convivência pacífica e plural. Na inclusão ninguém pode ficar de fora!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

É PROIBIDO PROIBIR – DOIS




“Não lhe proíbam, pois ninguém faz um milagre em meu nome
e depois pode falar mal de mim.
Quem não está contra nós, está a nosso favor”
 Mc 9,39-40

Mundo real, sem fábulas

Cheguei em cima da hora, bem no início da celebração. Estava tão disposta e receptiva, que tive a leve impressão de algo pairando no ar, como para acontecer.
É deixar acontecer...
Igreja lotada, dirigi-me aos primeiros assentos. Sim, tem que ser nos primeiros assentos mesmo. Do contrário, não dá para compreender nem acompanhar as músicas e a leitura da Palavra devido às pessoas que se postam à frente fechando a visão, tirando o foco. E também os microfones, esses vilões dos surdos oralizados, que barram a visibilidade do gestual da face dos agentes celebrantes, impedindo a leitura labial. É sempre uma questão de estratégia que deve ser tomada se houver empenho e propósito em participar de um evento, neste caso, o religioso.
Mas, como nem sempre estratégias surtem efeito 100%, sirvo-me de livros e folhetos de liturgia que carrego para a paróquia, para as músicas e as leituras que são feitas a cada domingo, de modo a acompanhar o roteiro. É mais uma opção pessoal de não apenas acompanhar, como  também aprendizado para a vida prática. Acredito que seja esta também a meta de muitas outras igrejas e pessoas inseridas.
Houve uma época em que eram disponibilizados folhetos próprios e uniformes em toda a diocese para que os fiéis acompanhassem a celebração através deles. Até que decidiram pela sua extinção, com todos os meus protestos! Infelizmente não tem mais.
E não é que o inesperado aconteceu. Inesperado não o fato em si, porque já esperava pela sua ocorrência, acostumada que estou às intempéries que surgem na vida de quem não ouve, em qualquer lugar, inclusive ali na igreja, por que não? Digo inesperado em relação àquele momento e, principalmente, da pessoa que o provocou, e que infelizmente se consumou.
Justo no instante voltado à escuta (no meu caso – a captação) na calma e reflexão, do aprofundamento da Palavra, quando a salmista cantava um Salmo e a assembleia respondia em coro... De repente - do nada - aquela senhora se aproximou do banco em que estava e disse, sem mesmo pedir licença, que eu deveria guardar aquele livreto e que “prestasse atenção” - é isto mesmo – prestar atenção na fala dos leitores, pois a última determinação geral dada era esta: de “ouvir” a palavra proclamada e não “lê-la”.
Assustei não pela rapidez daquilo sendo direcionado unicamente a mim, mas do momento inconveniente em que foi dirigido. De imediato, olhei ao redor e constatei que era a única pessoa que tinha o folheto à mão, acostumada que estava a ver um grande número de pessoas que também o utilizam. E, de repente, só eu ali segurando o exemplar e levando um pito como se ora estivesse falando ao celular, ou então conversando como as crianças, ou...
Voltei à real e olhei para aquela senhora e lembro-me das únicas palavras que disse-lhe:
- Ouvir como? Sou surda!
A senhora simplesmente me fitou. Seus olhos nada diziam. E voltou para seu lugar de ofício, na lateral, então ocupado pela equipe de tarefas.
Mas, como assim? Por quê? Com quais critérios a dita cuja vem, joga uma bomba e,  simplesmente, vai se sentar??? Não me lembrava de nenhum aviso dado anteriormente sobre a referida proibição, e só faltei o último domingo! Puxa, e se aquela fosse a primeira vez que eu aparecesse ali na igreja? Como reagiria? Com certeza não voltaria mais!
Infelizmente há fiscais demais na igreja, quando o que falta é acolhida, comunicação, respeito e temperança...  Já enfrentei situações adversas também nos bancos, no mercado, na rua, no ônibus... Até faz parte da vida de quem tem deficiência. Mas ali...
Contudo, nada que morrer na praia. Baixada a maré, é partir para o diálogo franco, esclarecer sobre as singularidades, as diferenças e, quem sabe, etiqueta também. Mudar paradigmas é primordial.
Deixar a igreja de Cristo? Não!
Deixar de levar os folhetos? Também não!
Desobedecer à proibição? Sim, é uma necessidade! Que regra é essa que tolhe um direito elementar de comunicação?
Deslizes humanos sempre houve e haverá. Não troco o Deus em quem creio, que é Amor e Compaixão pelos pecadilhos das pessoas. Aliás, creio que os fatos concorreram para o choque e depois a reflexão, e depois a mudança, e houve um gesto de desculpas, enfim... Fomentar a inclusão. Essa luta é constante!


(Post publicado em 2013, quando ainda utilizavam os folhetos. Hoje, é possível pessoas surdas acompanhar as leituras da Missa pelo celular, no modo silencioso, baixando aplicativo próprio)


Pela Inclusão e pela Vida.





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