“Não lhe proíbam, pois ninguém faz um milagre em meu
nome
e depois pode falar mal de mim.
Quem não está contra nós, está a nosso favor”
Mc 9,39-40
Mundo real, sem fábulas
Cheguei em cima da hora, bem no
início da celebração. Estava tão disposta e receptiva, que tive a leve
impressão de algo pairando no ar, como para acontecer.
É deixar acontecer...
Igreja lotada, dirigi-me aos
primeiros assentos. Sim, tem que ser nos primeiros assentos mesmo. Do
contrário, não dá para compreender nem acompanhar as músicas e a leitura da
Palavra devido às pessoas que se postam à frente fechando a visão, tirando o
foco. E também os microfones, esses vilões dos surdos oralizados, que barram a
visibilidade do gestual da face dos agentes celebrantes, impedindo a leitura
labial. É sempre uma questão de estratégia que deve ser tomada se houver
empenho e propósito em participar de um evento, neste caso, o religioso.
Mas, como nem sempre estratégias
surtem efeito 100%, sirvo-me de livros e folhetos de liturgia que carrego para
a paróquia, para as músicas e as leituras que são feitas a cada domingo, de modo
a acompanhar o roteiro. É mais uma opção pessoal de não apenas acompanhar, como também
aprendizado para a vida prática. Acredito que seja esta também a meta de muitas
outras igrejas e pessoas inseridas.
Houve uma época em que eram
disponibilizados folhetos próprios e uniformes em toda a diocese para que os
fiéis acompanhassem a celebração através deles. Até que decidiram pela sua
extinção, com todos os meus protestos! Infelizmente não tem mais.
E não é que o inesperado
aconteceu. Inesperado não o fato em si, porque já esperava pela sua ocorrência,
acostumada que estou às intempéries que surgem na vida de quem não ouve, em
qualquer lugar, inclusive ali na igreja, por que não? Digo inesperado em
relação àquele momento e, principalmente, da pessoa que o provocou, e que infelizmente
se consumou.
Justo no instante voltado à
escuta (no meu caso – a captação) na calma e reflexão, do aprofundamento da Palavra,
quando a salmista cantava um Salmo e a assembleia respondia em coro... De
repente - do nada - aquela senhora se aproximou do banco em que estava e disse,
sem mesmo pedir licença, que eu deveria guardar aquele livreto e que “prestasse
atenção” - é isto mesmo – prestar atenção na fala dos leitores, pois a última determinação
geral dada era esta: de “ouvir” a palavra proclamada e não “lê-la”.
Assustei não pela rapidez
daquilo sendo direcionado unicamente a mim, mas do momento
inconveniente em que foi dirigido. De imediato, olhei ao redor e constatei que
era a única pessoa que tinha o folheto à mão, acostumada que estava a ver um
grande número de pessoas que também o utilizam. E, de repente, só eu ali
segurando o exemplar e levando um pito como se ora estivesse falando ao
celular, ou então conversando como as crianças, ou...
Voltei à real e olhei para aquela
senhora e lembro-me das únicas palavras que disse-lhe:
- Ouvir como? Sou surda!
A senhora simplesmente me
fitou. Seus olhos nada diziam. E voltou para seu lugar de ofício, na lateral, então
ocupado pela equipe de tarefas.
Mas, como assim? Por quê? Com quais critérios a dita cuja vem, joga uma bomba e, simplesmente, vai se sentar??? Não me lembrava de
nenhum aviso dado anteriormente sobre a referida proibição, e só faltei o
último domingo! Puxa, e se aquela fosse a primeira vez que eu aparecesse ali na
igreja? Como reagiria? Com certeza não voltaria mais!
Infelizmente há fiscais demais
na igreja, quando o que falta é acolhida, comunicação, respeito e temperança...
Já enfrentei situações adversas também
nos bancos, no mercado, na rua, no ônibus... Até faz parte da vida de quem tem
deficiência. Mas ali...
Contudo, nada que morrer na praia. Baixada a maré, é partir para o
diálogo franco, esclarecer sobre as singularidades, as diferenças e, quem sabe,
etiqueta também. Mudar paradigmas é primordial.
Deixar a igreja de Cristo? Não!
Deixar de levar os folhetos?
Também não!
Desobedecer à proibição? Sim, é
uma necessidade! Que regra é essa que tolhe um direito elementar de comunicação?
Deslizes humanos sempre houve e
haverá. Não troco o Deus em quem creio, que é Amor e Compaixão pelos pecadilhos
das pessoas. Aliás, creio que os fatos concorreram para o choque e depois a
reflexão, e depois a mudança, e houve um gesto de desculpas, enfim... Fomentar a inclusão. Essa luta é constante!
(Post publicado em 2013, quando ainda utilizavam os folhetos. Hoje, é possível pessoas surdas acompanhar as leituras da Missa pelo celular, no modo silencioso, baixando aplicativo próprio)
(Post publicado em 2013, quando ainda utilizavam os folhetos. Hoje, é possível pessoas surdas acompanhar as leituras da Missa pelo celular, no modo silencioso, baixando aplicativo próprio)
Pela Inclusão e pela Vida.
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