Fevereiro chega ao fim. Mês que
marca o Carnaval e também o aniversário de minha mãe, que, aliás, nasceu em pleno
dia de folia.
A cada aniversário completado,
ela costuma renovar o bilhete do transporte gratuito concedido a idosos. Não
porque ela assim o queira, mas porque é regra, senão o benefício fica suspenso sem
a prova de vida. E lá fomos nós atualizar o tal direito...
Entrando numa pequena fila de
idosos no estabelecimento, para averiguação de documentos, à nossa
frente tinha uma senhora apreensiva porque não trouxera a comprovação de
endereço, sem o qual não poderia atualizar o bilhete. Querendo ajudá-la a
controlar o nervosismo, perguntei o que poderia fazer de útil, ao que ela
agradeceu e estaria aguardando alguém fazer o telefonema para algum parente
providenciar o esquecido em sua residência, distante dali.
Acompanhando minha mãe,
adentramos a outro recinto para a efetivação da operação. Nova fila para se
aguardar e desta vez com a comodidade de assentos disponíveis. Quando chegou
sua vez, permaneci aguardando no banco, do lado de fora. E um cutucão pelas costas
indicou que aquela apreensiva senhora de poucos minutos atrás, mostrava-se agora
falante e aliviada com a solução ante o esquecimento, tão natural para aqueles
carregados em anos – ela completara 85 no mesmo dia que minha genitora –. Pude
perceber então quanto eram lindos seus olhos azuis brilhantes sob a face encoberta
de rugas!
E, num curtíssimo espaço de
tempo, ela aproveitou para perguntar a razão de minha fala diferente. Senti
que, desde o primeiro instante em que a vi, seus olhos perguntavam-me isso, e
foram ofuscados pela tensão. Agora, em estado de relaxamento a curiosidade deu
as caras.
Antes que pudesse responder,
ela emendou a pergunta:
- Você é portuguesa? Teu
sotaque é tão parecido!
Sotaque? Nem sei como funciona
isto, ao menos oralmente. Como decifrá-lo?
Rapidamente pensei naquela fila,
nas senhas sendo chamadas, na história que se alongaria ao contar minha
história de surdez, pois a cada resposta dada, outras perguntas surgiriam. A rotina.
Lembrei-me do vô Francisco e da
vó Isabel, de sangue lusitano... A tradição, os costumes da família. E aqueles
olhos azuis cravados nos meus, aguardando...
Eis que o bilhete de minha mãe foi
liberado e ela fez o sinal para que nos retirássemos. Sem desviar daqueles
belos olhos ansiosos, levantei-me do banco e respondi num tom simplificado, com
afeto:
- Sim, sou portuguesa! Como
muitas (os) de nós o somos...
Pela Inclusão e pela Vida.
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