PRETENSÃO

Ampliar os horizontes da inclusão é a pretensão deste blog. E inclusão não apenas entendida como movimento de pessoas com deficiência, senão também abordar a ecologia, os movimentos de luta por direitos e cidadania, etc. Falar de inclusão, portanto, significa acolher o meio e todas as pessoas. Significa também respeitar e tolerar a singularidade, fazendo da compreensão uma forma de convivência pacífica e plural. Na inclusão ninguém pode ficar de fora!

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

DEIXA ESTAR






Fevereiro chega ao fim. Mês que marca o Carnaval e também o aniversário de minha mãe, que, aliás, nasceu em pleno dia de folia.

A cada aniversário completado, ela costuma renovar o bilhete do transporte gratuito concedido a idosos. Não porque ela assim o queira, mas porque é regra, senão o benefício fica suspenso sem a prova de vida. E lá fomos nós atualizar o tal direito...

Entrando numa pequena fila de idosos no estabelecimento, para averiguação de documentos, à nossa frente tinha uma senhora apreensiva porque não trouxera a comprovação de endereço, sem o qual não poderia atualizar o bilhete. Querendo ajudá-la a controlar o nervosismo, perguntei o que poderia fazer de útil, ao que ela agradeceu e estaria aguardando alguém fazer o telefonema para algum parente providenciar o esquecido em sua residência, distante dali.

Acompanhando minha mãe, adentramos a outro recinto para a efetivação da operação. Nova fila para se aguardar e desta vez com a comodidade de assentos disponíveis. Quando chegou sua vez, permaneci aguardando no banco, do lado de fora. E um cutucão pelas costas indicou que aquela apreensiva senhora de poucos minutos atrás, mostrava-se agora falante e aliviada com a solução ante o esquecimento, tão natural para aqueles carregados em anos – ela completara 85 no mesmo dia que minha genitora –. Pude perceber então quanto eram lindos seus olhos azuis brilhantes sob a face encoberta de rugas!

E, num curtíssimo espaço de tempo, ela aproveitou para perguntar a razão de minha fala diferente. Senti que, desde o primeiro instante em que a vi, seus olhos perguntavam-me isso, e foram ofuscados pela tensão. Agora, em estado de relaxamento a curiosidade deu as caras.

Antes que pudesse responder, ela emendou a pergunta:

- Você é portuguesa? Teu sotaque é tão parecido!

Sotaque? Nem sei como funciona isto, ao menos oralmente. Como decifrá-lo?
Rapidamente pensei naquela fila, nas senhas sendo chamadas, na história que se alongaria ao contar minha história de surdez, pois a cada resposta dada, outras perguntas surgiriam. A rotina.

Lembrei-me do vô Francisco e da vó Isabel, de sangue lusitano... A tradição, os costumes da família. E aqueles olhos azuis cravados nos meus, aguardando...

Eis que o bilhete de minha mãe foi liberado e ela fez o sinal para que nos retirássemos. Sem desviar daqueles belos olhos ansiosos, levantei-me do banco e respondi num tom simplificado, com afeto:

- Sim, sou portuguesa! Como muitas (os) de nós o somos...





Pela Inclusão e pela Vida.








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