Quando nossas forças na
luta pela vida escapam das mãos, escorrem pelo ralo...
Precisamos também rezar!
Era uma noite chuvosa de alguns
anos atrás. Chuva forte e gelada.
Da janela observava a delícia
de se contemplar os pingos vigorosos que caíam, se espatifavam no chão e
destruíam as poças que se formavam na calçada, para então dar lugar às
corredeiras que se avolumavam nas sarjetas da avenida.
Não fiquei muito tempo nessa
posição, pois fui surpreendida por um grupo de cinco, sete, oito pessoas que se
postaram nas grades do portão, tentando abrigarem-se da chuva. O telhado,
porém, não permitia essa possibilidade visto que não comportava toda a largura
da calçada e aquelas pessoas se comprimiam umas às outras de modo a se proteger
sob o único guarda-chuva que possuíam.
Reconheci que além da única
pessoa adulta, os demais eram crianças e adolescentes que durante o dia
perambulavam pelo canteiro central da avenida e se postavam no único farol, de
modo a mendigar uns trocados. Outras vezes, vendendo balas ou ainda, fazendo
piruetas para chamar atenção.
Toda a vizinhança, por várias
vezes, já houvera acionado o Conselho Municipal da Criança no intuito de coibir
aquela situação de exclusão, passível de exploração humana, sexual e de tráfico
de drogas, muito comum na redondeza por estar na região central da cidade.
Depois das vistorias os grupos desapareciam. Passados alguns meses, voltavam
novamente à rua. E a rotina se repetia simplesmente pela falta de políticas
públicas eficientes que combatessem tal exclusão.
E naquela noite, diante da cena
de crianças molhadas em suas poucas e surradas roupas, sabe se lá se
alimentados ou não depois de um dia inteiro no farol, pensei em destravar o
portão e deixá-los abrigarem-se na garagem até que a chuva baixasse de
intensidade. Membros de uma família inteira, a irmã mais velha e seus irmãos
menores, os primos e alguns amiguinhos...
Só então um receio perpassou minha
mente diante daqueles corpos ensopados. E o medo do desconhecido querendo
alertar que aquela não fora uma decisão acertada de abrir a casa a estranhos...
Mas como? Se estávamos diante de crianças maltrapilhas, de adolescentes sem
rumo, de famílias desfeitas ou que nem deveriam saber o real significado?
E antes que pudesse esboçar qualquer reação,
vi que as crianças já adentravam a casa sem a menor cerimônia pedindo pão, água ou
algo que afugentasse a fome. E um deles falou:
- Quando falta a comida na
mesa, melhor é a rua do que passar fome! A gente aprende a se virar...
A chuva passou e eles se foram.
Por onde será que andam?
Hoje contei o tempo.
Passaram-se seis anos daquela noite. Mudei de endereço, mas a lembrança
permanece viva. Não foi apenas uma cena que passou em minha vida. É um fato que
vemos que se repete, seja com chuva ou não, seja em faróis ou não. Situações de
exclusão de crianças. Sinais de morte pela falta de vida digna: família,
educação, saúde, alimentação, brincar, viver e amar.
Na época, partilhei esta
experiência com um amigo. Que retornou com um poema-oração:
Uma súplica diante dos
sinais de morte
Que Deus me dê um olhar de ternura e compaixão
Que se alimenta na força renovadora de sua
Ressurreição.
Que Deus me dê um olhar de partilha e solidariedade,
Para que fomente a corrente irrompível da
fraternidade.
Que Deus me dê um olhar de ternura e confiança
Que vislumbra auspiciosos sinais de esperança.
Que Deus me dê um olhar de ousadia e profecia
Para não me curvar diante dos temores de cada dia!
Que Deus me dê uma escuta sintonizada e atenta
Que capta os clamores de realidades cruentas.
Que Deus me dê uma escuta aliada com a sabedoria
Para promover apenas sinais de vida e alegria.
Que Deus me dê humildade e mansidão de coração
Que se alargue para a sensibilidade e compaixão.
Que Deus cuide de minhas cordas tênues do coração
Para que suporte os espinhos sem choro ou
reclamação...
Que Deus me dê mãos fortes, prontas e estendidas,
Fortaleça minhas mãos quando aparentemente
enfraquecidas.
Que jamais se cansem de se abrir a quem dela precisa,
Oferecendo o que de melhor se possui, e é o que se
eterniza!
Que Deus me dê... E Ele concede
Que eu acolha e agradeça.
A quem cumpre o que promete,
Que atende a todo aquele que pede.
Obrigado Senhor!
PELA INCLUSÃO E PELA VIDA!
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