PRETENSÃO

Ampliar os horizontes da inclusão é a pretensão deste blog. E inclusão não apenas entendida como movimento de pessoas com deficiência, senão também abordar a ecologia, os movimentos de luta por direitos e cidadania, etc. Falar de inclusão, portanto, significa acolher o meio e todas as pessoas. Significa também respeitar e tolerar a singularidade, fazendo da compreensão uma forma de convivência pacífica e plural. Na inclusão ninguém pode ficar de fora!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

QUANDO VEMOS TANTOS SINAIS DE MORTE...




Quando nossas forças na luta pela vida escapam das mãos, escorrem pelo ralo...
Precisamos também rezar!


Era uma noite chuvosa de alguns anos atrás. Chuva forte e gelada.

Da janela observava a delícia de se contemplar os pingos vigorosos que caíam, se espatifavam no chão e destruíam as poças que se formavam na calçada, para então dar lugar às corredeiras que se avolumavam nas sarjetas da avenida.

Não fiquei muito tempo nessa posição, pois fui surpreendida por um grupo de cinco, sete, oito pessoas que se postaram nas grades do portão, tentando abrigarem-se da chuva. O telhado, porém, não permitia essa possibilidade visto que não comportava toda a largura da calçada e aquelas pessoas se comprimiam umas às outras de modo a se proteger sob o único guarda-chuva que possuíam.

Reconheci que além da única pessoa adulta, os demais eram crianças e adolescentes que durante o dia perambulavam pelo canteiro central da avenida e se postavam no único farol, de modo a mendigar uns trocados. Outras vezes, vendendo balas ou ainda, fazendo piruetas para chamar atenção.

Toda a vizinhança, por várias vezes, já houvera acionado o Conselho Municipal da Criança no intuito de coibir aquela situação de exclusão, passível de exploração humana, sexual e de tráfico de drogas, muito comum na redondeza por estar na região central da cidade. Depois das vistorias os grupos desapareciam. Passados alguns meses, voltavam novamente à rua. E a rotina se repetia simplesmente pela falta de políticas públicas eficientes que combatessem tal exclusão.

E naquela noite, diante da cena de crianças molhadas em suas poucas e surradas roupas, sabe se lá se alimentados ou não depois de um dia inteiro no farol, pensei em destravar o portão e deixá-los abrigarem-se na garagem até que a chuva baixasse de intensidade. Membros de uma família inteira, a irmã mais velha e seus irmãos menores, os primos e alguns amiguinhos...

Só então um receio perpassou minha mente diante daqueles corpos ensopados. E o medo do desconhecido querendo alertar que aquela não fora uma decisão acertada de abrir a casa a estranhos... Mas como? Se estávamos diante de crianças maltrapilhas, de adolescentes sem rumo, de famílias desfeitas ou que nem deveriam saber o real significado?

E antes que pudesse esboçar qualquer reação, vi que as crianças já adentravam a casa sem a menor cerimônia pedindo pão, água ou algo que afugentasse a fome. E um deles falou:

- Quando falta a comida na mesa, melhor é a rua do que passar fome! A gente aprende a se virar...

A chuva passou e eles se foram.

Por onde será que andam?

Hoje contei o tempo. Passaram-se seis anos daquela noite. Mudei de endereço, mas a lembrança permanece viva. Não foi apenas uma cena que passou em minha vida. É um fato que vemos que se repete, seja com chuva ou não, seja em faróis ou não. Situações de exclusão de crianças. Sinais de morte pela falta de vida digna: família, educação, saúde, alimentação, brincar, viver e amar.

Na época, partilhei esta experiência com um amigo. Que retornou com um poema-oração:


Uma súplica diante dos sinais de morte

Que Deus me dê um olhar de ternura e compaixão
Que se alimenta na força renovadora de sua Ressurreição.
Que Deus me dê um olhar de partilha e solidariedade,
Para que fomente a corrente irrompível da fraternidade.

Que Deus me dê um olhar de ternura e confiança
Que vislumbra auspiciosos sinais de esperança.
Que Deus me dê um olhar de ousadia e profecia
Para não me curvar diante dos temores de cada dia!

Que Deus me dê uma escuta sintonizada e atenta
Que capta os clamores de realidades cruentas.
Que Deus me dê uma escuta aliada com a sabedoria
Para promover apenas sinais de vida e alegria.

Que Deus me dê humildade e mansidão de coração
Que se alargue para a sensibilidade e compaixão.
Que Deus cuide de minhas cordas tênues do coração
Para que suporte os espinhos sem choro ou reclamação...

Que Deus me dê mãos fortes, prontas e estendidas,
Fortaleça minhas mãos quando aparentemente enfraquecidas.
Que jamais se cansem de se abrir a quem dela precisa,
Oferecendo o que de melhor se possui, e é o que se eterniza!

Que Deus me dê... E Ele concede
Que eu acolha e agradeça.
A quem cumpre o que promete,
Que atende a todo aquele que pede.

Obrigado Senhor!



PELA INCLUSÃO E PELA VIDA!






Nenhum comentário:

Postar um comentário