PRETENSÃO

Ampliar os horizontes da inclusão é a pretensão deste blog. E inclusão não apenas entendida como movimento de pessoas com deficiência, senão também abordar a ecologia, os movimentos de luta por direitos e cidadania, etc. Falar de inclusão, portanto, significa acolher o meio e todas as pessoas. Significa também respeitar e tolerar a singularidade, fazendo da compreensão uma forma de convivência pacífica e plural. Na inclusão ninguém pode ficar de fora!

domingo, 22 de março de 2020

O CEGO DE NASCENÇA



“Ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença”. Seus discípulos perguntaram: ‘Mestre, quem pecou para que ele nascesse cego, ele ou seus pais? ’ Jesus respondeu: ‘Nem ele nem seus pais pecaram, mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele’. Jo 9,1-3

Falar, transmitir, divulgar e educar sobre a Inclusão – seus conceitos e suas práticas – é uma tarefa nada fácil. Mas que não se pode baixar a guarda e nem desanimar, isso não pode. É uma luta constante, sempre!

Verdade seja dita, tem hora que realmente desanima, principalmente quando não encontramos ecos que venham de encontro à nossa luta, a pauta da bandeira que um dia se ergueu para defender a causa de milhares, milhões de pessoas com alguma deficiência neste planeta, onde é possível encontrar, por incrível que pareça, alguém que nem sequer como sair de sua própria casa para ir brincar, ou ir à escola, ao trabalho, à universidade simplesmente por falta de meios de locomoção, por falta de conhecimentos ou iniciativa da família, ou ainda, pela gravidade de sua condição limitadora.

Devo acrescentar também os casos de pessoas que passam ao largo, ignorando o movimento, outras se dizem conhecedoras da causa e voluntariosas, mas que não mudam a ideia que tem acerca das deficiências e seus paradigmas são tão arraigados, que teimam em abrir-se para a novidade, inclusive a prática, gerando posturas preconceituosas ao invés de valores. O que dizer então daquelas mornas, que ficam “em cima do muro”?

Mas há também momentos na vida em que somos surpreendidos por alguém que menos se espera, engatinhando na linguagem inclusiva, timidamente, mas com uma abertura tal, de quem está disposto a entrar na luta, e vai avançando... E que isso traz um contentamento tal, que nos faz sentir que o caminho continua mais adiante.

Assim aconteceu no dia de ontem, domingo, na missa pela manhã. Surpreendi-me com a fala do padre na hora de comentar sobre o evangelho do dia, conforme citado acima, em negrito. Acostumada que estou, ora com tantos clichês piegas, conotações de coitados, ora voltados para a espiritualidade apenas... Simplesmente ele foi abordando as maravilhas que a inclusão promove na vida e para a independência não só dos cegos, como também das demais deficiências: braile; cão-guia; acessibilidade do metrô; cadeiras motorizadas; próteses de titânio; vida esportiva, mundo digital; a linguagem correta trocando "aleijados", "leprosos" por cadeirantes e hanseníase, etc. 

Ainda com nossa população envelhecendo a olhos vistos, utilizando-se da infinidade de equipamentos que beneficiam a vida no dia a dia. Foi um banho de informação, mostrando como a vida de deficientes está se transformando com o trabalho da inclusão. Pode não ser a cura da deficiência em si, mas é a transformação da vida de milhares de pessoas pela superação. Aêêê! Valeu padre!

Particularmente, considero este um dos melhores textos sobre deficiências que já encontrei em toda a Bíblia. O que mais gosto! Porque tem uma amplidão que se nota na atitude educativa de Jesus, com transparência, autenticidade, ternura e coragem. E também desenvolvido numa narrativa dialogal e profética. Prova de que, passado tanto tempo, ainda carrega vigor e frescor na interpretação de fatos atuais.

Quem é que já disse alguma vez na vida, ou ouviu dizer termos como: ‘que fiz eu para meu filho nascer assim?’ Como aquele cego com tal acusação.

Justamente neste texto Jesus já traz a resposta, afirmando que a deficiência não é castigo nem abominação ou uma consequência dos erros cometidos, seja de quem for, mas motivo de acolhimento, crescimento e superação tanto pessoal como social, e ainda, através dela que Deus se revela, age e se dá a conhecer.

Gente que chega ao extremo de dizer que carrega uma cruz sem merecer, referindo-se ao fato de ter de cuidar de pessoas com deficiência na família, principalmente as com maior comprometimento, e que consome horas, atenção, cuidados e custos elevados. 

Já passou da hora de fazer uma paradinha e olhar melhor ao redor e perceber o quão gratificante é poder cuidar de alguém que, mesmo diferente e limitado, tem suas peculiaridades, suas habilidades e características próprias e que sabe retribuir os cuidados com tanta candura e amor à sua própria maneira. É para a glória de Deus que elas existem. Só não vê quem não quer e não aceita.

Em contrapartida, fico feliz quando vejo nas ruas, nos ônibus, nos shopping mães, pais ou irmãos carregando em carrinho ou puxando cadeira de rodas de seus filhos/irmãos, com alegria e descontração, sem nenhum pudor de exibir alguém igual e feliz.

Assim como Jesus valoriza e mostra seu agrado ao cego do texto, pela sua sinceridade, a sua abertura em aceitá-lo como Senhor e toda a novidade que vem trazer para as pessoas mais oprimidas, desmascarando a mentalidade dos dirigentes religiosos de então. De tão impactado, aquele cego não teme quebrar as regras de uma instituição religiosa opressora e alienante baseada na exterioridade, que valoriza a observância da lei ao invés da dignidade humana.

A inclusão que Jesus promove ali é a cura física (a visão recuperada) e a social, enquanto soerguimento de tudo aquilo que destitui pessoas do convívio igual a todas as demais, seus direitos elementares. Isso provoca na vida do cego nova consciência de quem é Jesus.

E você, caro leitor, quer entrar também nesta luta?

Quando se deparar com alguém: olhe, observe, dê atenção. Pergunte se precisa de ajuda e como. Transforme-se pelos sinais, pela expressão corporal, faça a comunicação ser possível! Não se acanhe. 

Somos diferentes e precisamos dessas diferenças para interagir, conviver, ensinar, transformar.

(Postagem original de 2018)


Pela Inclusão e pela Vida!


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