PRETENSÃO

Ampliar os horizontes da inclusão é a pretensão deste blog. E inclusão não apenas entendida como movimento de pessoas com deficiência, senão também abordar a ecologia, os movimentos de luta por direitos e cidadania, etc. Falar de inclusão, portanto, significa acolher o meio e todas as pessoas. Significa também respeitar e tolerar a singularidade, fazendo da compreensão uma forma de convivência pacífica e plural. Na inclusão ninguém pode ficar de fora!

sexta-feira, 25 de junho de 2021

PEQUENO DETALHE




Quadrilha e pipoca... Para espantar o frio tem quentão... Tem conversa à beira da fogueira e para a criançada tem diversão.

Quem não gosta de festa junina? A religiosidade e a cultura tão predominante no país? Mesmo no clima momentâneo girando em torno do futebol, não dispensamos aqueles momentos gostosos de estar com a família e com amigos e vizinhos, participando de rezas, comidinhas e folias típicas de junho. Riqueza boa que herdamos e perpetuamos!

Folia e comidas à parte, o assunto agora é outro.  Falando dos santos juninos, faz uma semana que festejamos o primeiro santo do mês – Santo Antônio. O próximo será João. Antes que cheguemos em Pedro e Paulo, vou repetir um acontecimento que me ocorreu na última festa de São João. Não sei por que nunca aprofundei no assunto, mas foi depois daquela leitura sobre o nascimento de João Batista, que me ocorreu um lampejo e senti que a ideia se congelou diante de pequena citação. Por mais que o conhecesse de cor, nunca havia observado o rico detalhe.

Talvez seja pelo fato de que há momentos especiais em que somos despertos para enxergar com novos olhos e claras razões sobre algo que, de notório, ainda permanecia velado, esperando pela ocasião propícia de ser descoberto...

A leitura discorria sobre o nascimento de João Batista, filho de Isabel e do sacerdote Zacarias.

“Então fizeram sinais ao pai, perguntando como ele queria que o menino se chamasse. Zacarias pediu uma tabuinha, e escreveu: ‘João é o seu nome’(Lc 1,62-63).

Quem conhece o texto, sabe que Zacarias estava incomunicável, isto é, com deficiência de comunicação (o texto diz mudo), em consequência de ele haver duvidado do anúncio que o anjo Gabriel lhe fizera sobre ele ser pai de João, ainda que na velhice, conforme citado mais anteriormente em Lc 1,18-20.

O que se seguiu então foi um diálogo diante de qual nome dariam ao menino que acabara de nascer.

Pelo costume hebraico, o filho adotava o nome do pai. Para Isabel, a mãe, ele seria chamado João, que significa a misericórdia de Deus, a graciosidade de Deus. Então, para justificar a concordância, os parentes resolveram perguntar a Zacarias “por meio de sinais” (v.62) como ele queria que o filho se chamasse...

E Zacarias, “pedindo uma tabuinha, escreveu: seu nome é João” (v.63)...

Foi exatamente esta citação que provocou a reflexão acerca da narrativa. Nos dias atuais, denominamos de Libras a comunicação utilizada pelas pessoas surdas, cuja manifestação é feita através de sinais gestuais e corporais como forma de entendimento entre elas, com deficiência de audição e de fala.
Ora, segundo os textos sagrados, Zacarias “ficara mudo”. Não há nenhuma menção de que ficara também surdo.

A pergunta que não quer calar é: como, estando Zacarias apenas sem voz, dirigiram-lhe a pergunta em sinais? Se uma pessoa ouve, mas não fala, ela usa sinais apenas para expressar sua vontade. Logo, ouvindo, ela não precisa de sinais para captar a mensagem, apenas para transmiti-la.

E daí veio a dúvida que continuará sendo uma dúvida: será que Zacarias ficou também surdo?

Pesquisando assuntos teológicos, constatei que a cultura hebraica teve muita influência da cultura greco-romana. Ora, ambas não fazem uma separação entre surdo (apenas não ouve) e surdo-mudo (não ouve e não fala). Para a cultura greco-romana, quem possuía uma destas limitações, era como se possuísse ambas. Em nada se diferenciavam.

Longe de querer levantar um sentido literal do texto, exalto e valorizo a riqueza de detalhes de que é possível se encontrar nas Sagradas Escrituras. Gosto muito disso.

Não creio que Zacarias tenha ficado sem voz como “um castigo” divino por sua incredulidade. Deus não castiga: Deus é amor, é ternura.

Creio em maior escala que Zacarias, em sua humanidade tão passível de erro, como sacerdote habituado à rotina, ‘pisou na bola’ por querer apressar o tempo de Deus, o “fazer” de Deus. E considero o seu mutismo como a maneira encontrada como forma de reparar o ceticismo assumido, através do silêncio e do recolhimento, na assimilação e contemplação da vontade divina sobre as criaturas, rompendo barreiras, ultrapassando hábitos repetitivos e regras mesquinhas. Silêncio vivido com humildade fomenta a sabedoria, gera alegria.

Pequeno detalhe?

Sim, um pequeno detalhe! Entre eles descobrimos riquezas que nos induzem a buscar outros mais!

Então... “No mesmo instante sua boca se abriu e sua língua se soltou.” (Lc 1,64).

(Este artigo foi repostado. Em plena pandemia sem nossas amadas festas juninas presenciais, contudo, a reflexão fica de pé)


Pela Inclusão e pela Vida.




Nenhum comentário:

Postar um comentário