RENATA
Sexta-feira. Na preocupação de
"ganhar o dia" entre filas, contas, trânsito, obra da casa e
compras... Peguei o ônibus. Sorte estava vazio. Sentei-me próximo ao motorista
e então resolvi relaxar, ordenando as ideias que aquela agitação toda ainda não
permitira.
Próxima parada e num relance,
vejo o rosto cansado do motorista que, voltado para a porta, responde a uma
saudação de boa tarde!
Imediatamente olho para a entrada
e noto uma garota a subir os degraus seguida por sua mãe. Rosto jovial de quem
aparenta entre 18 ou 20 anos, alegre, bonita e educada. Observa atenta a
resposta do motorista à sua saudação e vai logo sentar-se ao meu lado.
De imediato, corei de vergonha
tão logo notei que, assim que adentrei no ônibus, nem sequer fui capaz de
cumprimentar o motorista, tão absorta estava nas minhas preocupações, na
pressa.
- Olá, tudo bem? Ela dirigiu-me a
palavra, logo sentando-se ao lado e fixando seus olhos nos meus!
- Oi, tudo bem sim. E você?
Perguntei.
- Hã ? Não entendi, retrucou.
- Eu disse que tá tudo bem comigo,
e você?
- Ah, tá bom! Que aconteceu com
sua voz? Perguntou.
Antes que respondesse, ela
aproximou-se quase a encostar seu rosto no meu. Percebi então que, além da leve
deficiência era estrábica, talvez com baixa acuidade visual. Daí
quisesse captar as linhas da expressão facial, como é peculiar às pessoas de
baixa visão.
-Eu não ouço! É por isso que eu
falo assim. Será que você me entendeu agora?
Ela sorriu, envolveu seu braço por
entre o meu e segurou minha mão com força e delicadeza ao mesmo tempo:
- É mesmo então? Qual é o seu
nome? Onde você mora?
Seguiram-se outras perguntas. É
normal! Temos que respondê-las sempre, de igual para igual, sem
infantilizá-los.
Confesso que todas as vezes em que
abro um diálogo com pessoas que tem deficiência intelectual, a conversa rola
solta, íntima e natural, como se já nos conhecêssemos há muito tempo. O pouco
que nos falamos ali naquele instante tirou-me do torpor a que estava submersa
em meus problemas e arrebatou para a felicidade estampada no rosto daquela
garota, que traduzia simplicidade e singeleza.
Daquela conversa, soube que se
chama Renata e é muito feliz com a vida!
Como é energizante um
acontecimento dessa natureza, que nos arranca da rotina, das preocupações e neuroses,
fazendo-nos "acordar" para coisas simples e pequenas da vida,
realçando situações de felicidade que muitas vezes nos passam despercebidas!
Ganhei o dia!
(Este artigo foi escrito em 2011, após um contato tão produtivo com a garota do texto. Contatos dessa natureza vem crescendo quase que rotineiramente, indicando maior abertura das famílias ao envolver seus filhos numa participação mais ativa da vida cotidiana, frutos da inclusão).
Inclusão é vida.
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