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“Levando
consigo coxos, aleijados, cegos, mudos e muitos outros...”
Mateus 15,29-32
Impossível
mudar a palavra escrita na Bíblia. Seus textos antiquíssimos revelam contrastes
de cultura local, costumes e contextos que formam a diversidade no terreno
religioso. Podemos, entretanto, transformar o conceito a ser pronunciado como
mensagem atual, alterando termos já em desuso. Como exemplo, tome-se a citação
de Mateus acima, onde encontramos palavras grafadas incorretamente e carregadas
de estigma que, por serem muito antigas, poderiam ser traduzidas de forma a
corresponder à terminologia utilizada atualmente como segue:
- Deficientes físicos (os coxos e aleijados, mancos
e atrofiados);
- Surdos (permanece, pois é perda total de audição)
e deficientes auditivos (perda parcial da audição);
- Surdo-mudo não deve ser utilizado, mas
substituído para deficiência da fala ou comunicação;
- Cego (permanece, pois e perda total da visão);
- Deficiente visual (perda parcial da visão);
- Pessoas com hanseníase (leprosos);
- Deficiente intelectual (deficiente mental,
retardado);
- Síndrome de Dow ou simplesmente Dow
(mongolóides/mongol).
Uma vez feito os esclarecimentos necessários a
respeito das terminologias que devem ser pronunciadas corretamente,
aprofundemos um pouco a beleza desse capítulo: a atmosfera revela uma
similaridade com as nossas romarias populares pelo país. Poderíamos num
contexto imaginário, transportar esse acontecimento ora narrado por Mateus,
para Aparecida do Norte/SP ou para o Círio de Nazaré de Belém/PA, ou ainda Bom
Jesus da Lapa/BA e Juazeiro do Norte/CE, cujos locais acorrem milhares de
peregrinos em suas romarias de fé. Entre casais, crianças, jovens e idosos,
também se encontram as pessoas com deficiência.
Seriam os
cenários idênticos? Onde multidões acorrem impulsionadas pela fé, pela devoção
ao sagrado, imbuídos de alegria e correspondência à gratuidade da vida, seja
ela sadia ou doente. E quando doente, almejam a cura dos males da mente e do
corpo. E quantas graças alcançam pela fé! Isso é incontestável.
Quero entrar,
cá nesta reflexão, no terreno do contestável: quando nós as pessoas com
deficiência, somos confundidas, alegadas e catalogadas como se doente fossemos!
Longe de nós, com todo o respeito aos romeiros e devotos dessa exuberante
religiosidade popular – sou uma delas também – deste país rico em diversidade.
Nós não somos os “eternos doentes”, nem os tais coitados e sofredores que
muitos rezam e imploram por piedade, nada disso.
Se as
pessoas são diversas, diversos são também seus propósitos, mas a fé é uma só:
somos a imagem e semelhança perfeita de Deus e criados então para a felicidade.
O que é isso então? É sermos quem somos, como somos e tal qual Ele nos fez:
iguais. Só porque alguém não tenha uma perna, deixa de ser igual, como também
quem não ouve e quem não vê. Do mesmo modo quem aparenta não possuir
deficiência nenhuma pode apresentar outros tipos de limitação: emocional,
psicológica e afins.
O que não
devemos permitir é que nos rotulem com aquilo que realmente não somos –
limitados e desiguais.
Quando fui
criança e fiquei surda, perdi as contas das tantas romarias me levaram, tanto a
família quanto os parentes, na busca de que eu recuperasse a audição. É normal,
é desejo de muitos querer alguém dos seus recuperado e com saúde. Mas eu não
entendia isso, reagia normal, criança que era, e gostava mesmo da viagem, do
piquenique, do parquinho, passear de cavalinho. Isso é tão sagrado para as
crianças.
E se eu
tinha saúde, isso que importava e o desafio ficava então por conta de encarar
outros caminhos pela superação. Os pedidos foram vãos? Não. As preces foram
atendidas? O milagre aconteceu? Sim e sim. O milagre se operou assim: aprendi a
ouvir com os olhos e também com o coração. Deus é artista dez: troca o remendo
e põe algo diferente no lugar.
E vemos
como como Mateus salienta a fala e a prática de Jesus que produz a diferença:
"Tenho compaixão desta multidão..." v.32. Trata-se de uma pedagogia
do profundo sentimento experimentado por Ele em suas ações concretas:
misericórdia e compaixão. Isso traduzido em nossa língua portuguesa remete
para: dó, pena, comiseração com a desgraça alheia, enquanto que, na tradução
hebraica a variante apresenta outro sentido: compaixão é HESSED, significando
favor, benefício, graça, benevolência, amabilidade, lealdade, fidelidade,
atração. A compaixão de Jesus é, portanto, tomar para si a situação do outro,
transformando-a! Ele não é morno, é radical.
O que
Jesus faz? Simplesmente cura, não por ficar penalizado com as dores do outro,
mas para retirar da exclusão em que está submerso, produtora de desigualdades,
solidarizando e promovendo assim, os que estão fora do convívio social.
A cura,
que busca sentido de restituir, fazer justiça, devolver o direito, a igualdade,
comporta também hoje um compromisso social e comunitário de mudança de
mentalidade e atitudes frente às situações que dificultam, denigrem e impedem a
vida plena das pessoas com deficiência ao trabalho, à educação, igreja, lazer,
afetividade/sexualidade e família, dentre outros.
Temos que
nutrir nossa fé e sustentá-las na esperança, mas nunca de braços cruzados.
Acreditar na cura, no milagre é também arregaçar as mangas e ir à luta, pois a
cura é estrada de mão dupla: Deus faz a parte dele e ainda respeita nosso livre
arbítrio; que façamos a nossa. Mas como fazer isso? A ciência está aí, a
medicina, a reabilitação: fisioterapia, equoterapia, fonoaudiologia, locomoção
e mobilidade, informática, braile, libras, esportes, educação e tantos outros.
Pela Inclusão e pela Vida.
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